“Mother”: Papel de mãe

 

Por Clovis Geraldo *

 

A sensação que se tem depois de assistir “Mother – A Busca pela Verdade”, do sul-coreano Bong Joon-Ho, é que seu domínio da linguagem cinematográfica o permite iniciar e encerrar seu filme com alegorias. É como se ele dissesse: a vida continua; embora fatos terríveis dominassem a história. Na cabe aqui fazer qualquer julgamento moral dos personagens e tampouco de suas ações. Eles apenas agiram de acordo com o que as circunstâncias lhes impuseram. Sua condição não é de vítimas ou de algozes; eles não são bons ou ruins, só querem manter seu fluxo vital.

Para que o espectador absorva suas ideias tem de percorrer o encadear dos fatos, através de uma narrativa linear, que avança e recua, abre e fecha janelas e portas. Numa determinada cena, central para o entendimento da relação de dois adolescentes com a vítima; um deles fala sobre ela e, ao mesmo tempo, mantém com ela um diálogo. Uma economia de meios narrativos, que os modernizam e põe o espectador em contato com o que de fato ocorreu. Bong Joon-Ho não usa aqui o tradicional flashback, de voltar ao fato ocorrido e depois a seu desfecho.

Recursos que irão se repetir em outras sequências, às vezes usando a memória e objetos, como na sequência em que Do Joon entrega a caixa de agulhas de acupuntura à mãe Hye-Ja. Este simples uso do MacGuffin de Hitchcock já elucida a trama. Não é preciso mais nada para o espectador entender o que se passou lá e as implicações que isto pode ter para ela. Inexiste, para alicerçar a narrativa, grandes perseguições, lances espetaculares, só os contornos deles, salvo por uma bem elaborada sequência de suspense, que fazer o espectador torcer por Hye-Ja.

Diretor não julga os personagens

Os demais entrechos do filme seguem o encadeado, de forma que a história avança sem atropelos. Centrada nas circunstâncias que levam os personagens a agir desta ou daquela forma, ela tipifica-os, coloca-os em seu meio social e mostra a relação entre eles. Nada complicado. A ação em “Mother” é motivada pelo comportamento de Hye-ja com o filho Do Joon, que sofre de aflição mental. Jovem, com dificuldade para se expressar, recebe dela atenção redobrada. E temerosa de que ele se meta em confusão, tenta protegê-lo, mas ele lhe escapa.

Ainda que condene sua amizade com Jin-tae, jovem de comportamento suspeito, o próprio Do Joon termina por cometer um ato que irá enredá-los num pesadelo. Um pesadelo que o diretor Bong Joon-Ho desenvolve no limite. Foge às investigações policiais, o desvendar de algo já visto, nada é presenciado, nada é evidenciado. Pode ter sido um lapso de memória de Do Joon ou uma falsa acusação, como Hye-ja acredita como mãe.

Conta mais aqui a forma como o diretor encadeia as buscas que são feitas pelos personagens, – menos pela polícia, entregue à conclusões apressadas, mais por Hye-Ja em sua ânsia de livrar o filho da cadeia. Os recursos à memória de Do Joon e Hye-ja não são ganchos para fazer a história andar, são suportes para que se entenda a psicologia deles como personagens. Um dos choques entre mãe e filho se dá justamente pelas lembranças de Do Joon. Todo o passado da mãe emerge.

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Filme trata do sacrifício da mãe pelo filho

Fosse outro diretor, lançaria mão de palavrório. Bong Joon-Ho e seu co-roteirista Park Eun-Kyo se restringem a poucas falas e tudo se encaixa. E Hye-Ja então se explica, quer o perdão do filho. Assim a forma serve ao conteúdo e vice-versa. E retira o filme do lugar comum do “filme de crime”, cheio de perseguições e troca de tiros. O andamento de “Mother” às vezes se acelera, mas logo a ação é atenuada. Salvo na impactante sequência do incêndio, quando com brutalidade extrema Hye-ja perde o equilíbrio e se permite um instante de justiça solitária.

Até o desfecho, se tem desta forma um filme que se condiciona pelas relações mãe/filho, a vida miserável que levam; o cuidado que ela tem com ele e, depois, ao que ela se submete para livrá-lo do que se meteu. Trata-se, na verdade, da história dela, do sacrifício que faz pelo filho. E o mundo cheio de armadilhas em que vivem. Não só pelo que ele supostamente fez, mas pelo que ela também faz, como praticante da acupuntura ilegal.

São dois seres à margem da sociedade. Bong Joon-Ho não os julga. Eles estão condicionados a ter as reações mostradas por ele. Tanto que a mostra em plano aberto à frente do vasto campo, e depois embalada por uma fusão de ritmos musicais numa viagem pelo país. O espectador, acostumado a julgamentos e desfechos moralistas, pode achar que o diretor deveria puni-la e ao filho, mas o caso aqui é que eles já estão condenados por sua posição social.

Esta a validade deste “Mother”, “Mãe”. Uma obra que confirma a criatividade do cinema sul-coreano, principalmente de Bong Joon-Ho com sua inventividade e reversão das narrativas moralistas.

“Mother” (“Madao”). Drama. Coréia do Sul.2009. 128 minutos. Fotografia: Hong Kyung-Pyo. Música: Lee Byeong-Woo.Roteirista: Park Eun-Kyo/Bong Joon-ho, Diretor: Bong Joon-ho. Elenco: Kim Hye-Ja, Won Bin.

 

* Clovis Geraldo é Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários “TerraMãe”, “O Mestre do Cidadão” e “Paulão, lider popular”. Escreveu novelas infantis,  “Os Grilos” e “Também os Galos não Cantam”. Reproduzido do Portal Vermelho

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