Igreja católica lamenta morte do “crítico” e “expoente” Saramago

A Igreja Católica em Portugal lamentou nesta sexta-feira (18) a morte de José Saramago. O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa, Padre José Tolentino, e o porta-voz da conferência, Padre Manuel Morujão, disseram que o país perde um “expoente” e que a igreja perde um crítico com o qual soube dialogar constantemente. “Seja como for, o diálogo nunca foi cortado e sempre foi possível”, disse padre Manuel Morujão.

A relação entre a hierarquia católica e o escritor foi marcada por momentos de debates públicos e declarações polêmicas, motivados pela crítica ferrenha de Saramago à instituição e pela abordagem de temas bíblicos em obras como “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de 1991, e “Caim”, de 2009.

As últimas arestas entre católicos e o escritor foram aparadas no lançamento de “Caim”, obra na qual Saramago faz uma crítica à Bíblia e à visão de Deus expressa no Antigo Testamento. Na época do lançamento, padre Jose Tolentino participou de um debate com o escritor.

Para ele, as declarações críticas de Saramago à Bíblia foram “muito mais radicais que o livro”. Em seus comentários sobre o romance, Saramago disse que o Deus da Bíblia era pessoal e vingativo. “Sem a Bíblia, seríamos outras pessoas, seguramente melhores”, afirmou o escritor.

O padre, que é professor de exegese bíblica, poeta e ensaísta, diz que em “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” o escritor manteve diálogo maior com os temas religiosos do que na última obra. “Ele olha para Jesus, nem tanto como uma chave para o divino, mas como uma chave para o humano. Nesse sentido, para um teólogo, Saramago é um autor incômodo e fascinante”, resume.

O professor ressaltou ainda que não há nenhum outro escritor que toma a Bíblia de forma tão sistemática.”Saramago estava apaixonado pelo texto bíblico. Seu estilo tem uma musicalidade bíblica.” O padre diz que fez essa afirmação para o escritor durante a conversa e que ele acenou com um sorriso de concordância. “Ele é talvez o mais bíblico dos grandes autores contemporâneos e, ao mesmo tempo, o mais antibíblico”, afirmou.

Hierarquia

Para padre José Tolentino, foram mais pesadas as críticas do escritor à hierarquia. “Sem dúvida, a acusação que Saramago faz ao cristianismo é muito mais ao institucional, ao poder histórico do que propriamente ao cristianismo messiânico de Jesus de Nazaré”, disse. Entre outras observações mais contundentes, Saramago chegou a chamar o Papa Bento XVI de “cínico” e disse que a “insolência reacionária” da Igreja precisa ser combatida com a “insolência da inteligência viva”.

“Do meu ponto de vista, o discurso dele está em uma certa fronteira em relação à intolerância cultural. (…) Tinha dificuldade de dizer as coisas boas (da igreja)”, disse padre José Tolentino.

Para o porta-voz da conferência, que chegou a afirmar à época que o lançamento de Caim era “operação de publicidade”, Saramago errou ao tomar a Bíblia em sentido literal. “É um escrito datado. A Bíblia foi escrita durante mil anos, não foi escrita há 15 anos. Sem colocar a Bíblia no seu tempo e na sua cultura, é evidente que se interpreta de maneira que não é verdade”, disse padre Manuel Morujão.

“Naturalmente, o que cada um escreve tem a ver com sua própria vida, sua experiência de Deus, da fé e da igreja. Não foi uma experiência muito positiva e isso vai nos seus livros”, disse o porta-voz.

Padre Manuel Morujão acredita em um desfecho piedoso para a relação de Saramago com a religiosidade.  “Penso que Deus, ao encontrá-lo na eternidade, terá havido alguma surpresa: ‘como o senhor tem a coragem de me dar um abraço se o critiquei tanto?’”, imagina o padre, referindo-se a quais seriam as palavras de Saramago. No suposto diálogo, na visão do padre, Deus responderá: “você criticou outro, não o Deus do amor e dar misericórdia.”

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Com informações do Portal G1

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