Favela on-line

Com a velocidade da web, projeto de correspondentes comunitários e produção interativa de informação, iniciado em algumas favelas do Rio, se estende por todo o Brasil

Pesquisas sobre as tendências tecnológicas já colocam o Brasil entre os grandes usuários de internet no mundo. Estima-se em quase 70 milhões os “navegantes”, e mais de metade deles, 36 milhões, considerados muito ativos, segundo relatório Ibope/Nielsen. E à medida que a rede mundial de computadores se aproxima das periferias, e vice-versa, aumentam a democratização do acesso ao conhecimento e o uso que se faz dela. Ou seja, a web, mais que um espaço de se consumir informações, permite ao usuário ser uma fonte delas. Exemplo bem-sucedido é o site Viva Favela, criado no Rio de Janeiro em 2001 pela ONG Viva Rio. A página surgiu como ação de um Ponto de Cultura, a partir da formação de uma rede de correspondentes em diversas comunidades da cidade e tem chegado cada vez mais longe, em outros cantos do país.

No início, a principal atividade do Viva Favela era promover cursos, oficinas e inclusão digital. Ao mesmo tempo, com o emprego da tecnologia, permitir que os moradores das comunidades beneficiadas e estudantes da rede pública do Rio pudessem atuar como comunicadores e produtores de conteúdo informativo sobre a realidade que os cerca.

A formação dos primeiros comunicadores rendeu frutos em algumas das maiores favelas do Rio, como Rocinha, Cidade de Deus, Maré e Complexo do Alemão, e resultou na criação do site colaborativo 
www.vivafavela.com.br. Depois do lançamento do Viva Favela 2.0, em abril, e a inclusão de correspondentes de outros estados, o projeto se espalhou e tem uma rede de 334 correspondentes comunitários em todo o país.

Para o jornalista Rodrigo Nogueira, que foi editor de conteúdo do projeto por três anos, o site é uma ponte virtual entre o asfalto e a favela. “A meta é transformar o site em uma referência de produção colaborativa voltada para as periferias e favelas. Queremos um jornalismo cidadão feito de dentro das favelas e dialogando com o mundo”, diz. O crescimento desde abril, segundo ele, é impressionante, com 300 novos correspondentes e cerca de 30 mil novos acessos. “É marcante, uma ideia compartilhada com várias pessoas. O Viva Favela não funcionaria se os envolvidos não acreditassem que o espaço é importante. Em apenas um mês, tivemos mais conteúdo do que em todo o ano passado, ao abrirmos para mais colaborações.”

Reconhecimento
A trajetória do projeto é premiada. O mais recente foi o Mídia Livre, concedido pelo Ministério da Cultura em outubro passado. Antes, o Viva Favela já havia sido “diplomado” em 2008 como Excelência no Uso de Tecnologia da Informação, pelo Stockholm Challenge Awards, da Suécia. Em 2005, o site recebeu nos Estados Unidos um prêmio oferecido pelo Open Society Institute, ligado à Fundação Georges Soros, e uma menção honrosa do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo.

O acervo de reportagens e fotografias do Viva Favela acumulado desde 2001 se encontra armazenado no banco de dados do site original e também nos sites subordinados criados para explorar temas e linguagens específicos. Com o lançamento da versão 2.0, o site se tornou colaborativo, passou a contar também com conteúdos de áudio e vídeo: “Estamos consolidando parcerias em âmbito nacional e preparando um documento com nossa proposta metodológica. A ideia é que outros projetos e coletivos possam aproveitar nossa experiência na formação de comunicadores”, diz o editor.

A homepage é dividida em quatro seções (textos, fotos, vídeos e áudios), e sua atualização é permanente. As notícias em destaque na página inicial são selecionadas eletronicamente com base no número de votos que receberam nos últimos dois dias. Dentro de cada seção, a ordem dos conteúdos exibidos obedece ao número de votações, a contar de sua publicação.
Para se tornar um correspondente comunitário do Viva Favela basta fazer o cadastro e participar dos Fóruns de Sugestões de Pauta. Durante esses fóruns, é possível saber o que cada correspondente pretende produzir e também estabelecer formas de parceria e colaboração de diversos correspondentes em torno de uma mesma pauta.

Os Fóruns de Sugestões de Pauta também podem definir publicações especiais em torno de um mesmo tema. Como revistas virtuais, essas publicações geralmente contam com a coordenação de algum jornalista convidado. “Nós definimos um tema, avisamos no site que vamos fazer uma revista virtual e convidamos as pessoas a participar. Toda revista tem um editor especial para estimulá-las. O primeiro editor convidado foi o Caco Barcellos. Imagina, um jovem comunicador recebendo dicas e elogios de um profissional consagrado como ele? A ideia é incentivar esses jovens, trazendo profissionais que sejam especialistas em suas áreas para ajudar”, conta Rodrigo.

Interatividade
No dia a dia, o Viva Favela almeja a interatividade. Basta se cadastrar para publicar um conteúdo ou escrever um comentário. Quando se quer um conteúdo mais elaborado, organizam-se reuniões virtuais e webconferências entre pessoas de diferentes partes do Brasil com apoio de correspondentes comunitários. “Fomos procurar os primeiros correspondentes por meio das redes sociais e divulgando nosso trabalho pela web e em rádios comunitárias, sites, blogs, projetos parceiros, ONGs e universidades. Foi um trabalho árduo, mas compensou”, avalia Rodrigo.

Correspondente em Salvador, onde edita o site Repórter Hoje (www.reporterhoje.com.br), o jornalista Ivan Luiz Santana destaca a importância da nova parceria. “Posso afirmar que, para o trabalho que já vinha desenvolvendo, a existência da rede só veio somar, deu mais suporte na luta por inclusão social e digital na comunidade. Tenho a oportunidade de compartilhar experiências com outros correspondentes e já fiz até amizade com o pessoal”, afirma.

Ivan afirma que a participação no Viva Favela aumentou o reconhecimento do seu trabalho. “Em minha comunidade, passei a ser visto com mais credibilidade a partir do momento em que nossas produções ganharam mais espaço, ultrapassaram as barreiras da Bahia e se projetaram para outros estados. Meu compromisso com a comunidade aumentou também, e está sendo bastante prazeroso. Sem contar com o aprendizado de cada reunião. Mesmo já sendo profissional na área de jornalismo, o Viva Favela tem sido, assim, um grande parceiro”, diz.

Peu Pereira, de São Paulo, ressalta a importância de se criar uma rede comunitária com alcance nacional. “Quando fazemos uma reunião virtual e nela tem gente de Recife, de Brasília, de Manaus etc. debatendo pautas, isso se torna a apropriação dos meios para formular uma opinião vinda de pessoas que representam 98% da população”, diz. Peu espera que o Viva Favela tenha efeito importante sobre os envolvidos: “Ainda não sei dimensionar qual o impacto disso no grande público, mas para os correspondentes é grande”, diz. O público-alvo já está definido: “Os moradores de periferia de vários lugares do país, que sofrem por causa de uns 2% que bandideiam a nação, estão ganhando voz e querem mudar o jogo”.

Fonte: Brasil Atual

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