A Vida Invisível reflete sobre os sonhos e desejos das mulheres numa sociedade patriarcal

Por Marcos Aurélio Ruy. Foto: Bruno Machado/Divulgação

O filme “A Vida Invisível” (2019), de Karim Aïnouz, reforça a necessidade de valorização do cinema nacional, principalmente em um governo que desacredita da cultura e se baseia na ignorância para se manter no poder.

Inspirado no livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” (2016), de Martha Batalha, a obra cinematográfica retrata na telona o conservadorismo de uma sociedade forjada sob o patriarcado e o racismo e todas as suas consequências de privação de sonhos, desejos e de mudança de vida da maioria dos brasileiros.

A trama é centrada na relação profundamente amorosa das irmãs Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Júlia Stockler), com atuações a valorizar a obra. Pertencentes a uma família de classe média típica dos anos 1950 com pai autoritário, mãe submissa e as tentativas das duas para ludibriar a vigilância paterna para continuarem sonhando com vidas diferentes das que levam.

Veja o trailer oficial do filme

Eurídice sonha ser pianista. Acaba casada com Antenor (Gregório Duvivier). Comum à época, Antenor tenta a todo custo controlar as ações de sua esposa e castrar seus sonhos de uma vida emancipada. Para impedi-la de seguir em frente e sair da invisibilidade impingida pela sociedade machista às mulheres “de família de bem”, principalmente.

Essa visão permissiva fica bastante clara quando Guida, que sonha com um grande amor para realizar-se, foge com o homem com quem acreditava estar o seu futuro feliz. Volta para casa abandonada e grávida, como muitos homens abandonam as mulheres após a gravidez ainda hoje.

Expulsa de casa pelo pai, ela vai à luta para criar seu filho de um modo diferente. Como diz a ex-prostituta Filomena (Bárbara Santos), da maneira como é criado o menino se tornará “um bom homem”. Coisa rara na visão de uma mulher sofrida que acolheu Guida como se fosse a filha que nunca teve.

Guida torna-se faxineira em uma fábrica, começa sua vida de operária como uma exceção entre as suas colegas negras, qual era o destino das mulheres negras na época e permanece num país que não superou ainda a visão racista do passado escravista.

Por isso tudo, fica a necessidade de superar o preconceito contra as produções nacionais, porque os filmes estrangeiros ainda têm disparados as maiores bilheterias, tamanha a divulgação feita pelas distribuidoras multinacionais e a permanência com mais destaque nas salas de exibição.

Cena do filme que se inspira no livro de Martha Batalha

Poucos filmes brasileiros se aproximam dessas bilheterias. No caso de “A Vida Invisível”, nem o prêmio principal da Mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes, no ano passado, deu maior visibilidade a essa importante obra sobre o nosso passado remoto para refletir sobre o que nos tornamos como povo e que futuro podemos ter com a superação das mazelas de uma sociedade que precisa sair do ostracismo e se vigorar para voltar a sonhar.

Praticamente a vida como ela é, como diria o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980). Com a diferença que a obra de Aïnouz vislumbra um futuro diferente, com um olhar esperançoso e vigoroso projetado na participação especial de Fernanda Montenegro como a Eurídice idosa. A grande atriz consegue mostrar que o sonho não acabou e que a vida segue em frente enquanto houver uma veia pulsando.

Quem tiver a possibilidade de assistir pela TV paga, precisa acompanhar a programação do Canal Brasil para ter a chance de apreciar essa grande obra do cinema.