Depois da polêmica provocada na Festa Literária de Paraty (Flip) deste ano envolvendo a falta de escritores negros no evento, a nova curadora da Flip, a jornalista e historiadora Josélia Aguiar, tomou a decisão de homenagear o escritor Lima Barreto.
Essa homenagem vem em boa hora, porque se há um escritor brasileiro que se possa dizer injustiçado e desprezado, esse é Afonso Henriques de Lima Barreto. Porque a crítica literária da época desprezou a linguagem coloquial utilizada pelo autor para narrar a vida de pessoas comuns.
O seu livro de estreia, “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, foi muito criticado por ser considerado “personalista demais”, em vez de verem ali o início da renovação da literatura brasileira.
A primeira biografia do escritor foi publicada em 1952. O clássico “A vida de Lima Barreto”, de Francisco de Assis Barbosa, conta como o autor carioca sofria com as críticas e o desprezo que a elite sentia por ele.
Isso tudo porque a sua autodenominada “literatura militante” era confundida muitas vezes como relatos autobiográficos. Porém, Barreto usou sua escrita para denunciar as mazelas da sociedade racista, colonialista e que desprezava o povo.
Como escreveu o escritor paulista Monteiro Lobato: “De Lima Barreto não é exagero dizer que lançou entre nós uma fórmula nova de romance. O romance de crítica social sem doutrinarismo dogmático. Conjuga equilibradamente duas coisas: o desenho dos tipos e a pintura do cenário. É um revoltado, mas um revoltado em período manso de revolta. Em vez de cólera, ironia; em vez de diatribe, essa nonchalance filosofante de quem vê a vida sentado num café, amolentado por um dia de calor”.
A curadora da Flip 2017 que vai lançar uma obra sobre o escritor baiano Jorge Amado disse ao El País Brasil que “ele lia muito Lima Barreto nos anos 30 e o considerava ‘o escritor do povo’”.
Filho de ex-escravos, o pai tornou-se tipógrafo, a mãe professora de 1ª à 4ª séries, Lima Barreto dizia sobre si: “Nasci mulato, pobre e livre”. Apadrinhado pelo Visconde de Ouro Preto, tornou-se jornalista e transformou-se em um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos.
Reagiu com sarcasmo à hipocrisia da elite brasileira, que ele considerava preconceituosa. Simpático ao anarquismo inicialmente, impressiona-se com a Revolução Russa, de 1917, então começa a militar na imprensa socialista.
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu a 13 de maio de 1881, no Rio de Janeiro. Cedo descobriu seus pendores literários e era comumente encontrado na Biblioteca Nacional. Critica com veemência a visão elitista, arrogante, passadista e ufanista de parte dos literatos da época.
Recusado pela Academia Brasileira de Letras por duas vezes, foi maltratado pela crítica, justamente por ser revolucionário na forma de escrever as vicissitudes do homem comum do povo, com uma linguagem coloquial, que fugia aos padrões elitistas da literatura do início do século 20.
O autor de “Clara dos Anjos”, “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, ”O Homem que Sabia Javanês”, entre outros clássicos foi vencido pelo alcoolismo falecendo aos 41 anos, no Rio de Janeiro, em 1º de novembro de 1922.
Com essa homenagem, a Flip resolve dois problemas de uma vez só. Coloca em cena os escritores negros, invariavelmente marginalizados, e faz justiça ao talento inovador de Lima Barreto, que trouxe modernidade à literatura brasileira.
Algumas de suas obras:
Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909)
O Homem que Sabia Javanês (1911)
Aventuras do Dr. Bogóloff (1912)
Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915)
Numa e a Ninfa (1915)
Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919)
Histórias e Sonhos (1920)
Os Bruzundangas (1922)
Clara dos Anjos (1948)
Outras Histórias e Contos Argelinos (1952)
Contos do Reino de Jambom (1953)
Portal CTB – Marcos Aurélio Ruy