A arte de Nelson Cavaquinho faz falta há 30 anos

Faz 30 anos que a música popular brasileira perdia um de seus representantes mais talentosos. Uma das mais contundentes vozes do morro que desceu o asfalto para dar o seu recado com canções extremamente poéticas.

Nelson Antonio da Silva, codinome Nelson Cavaquinho, morreu aos 74 anos, no dia 18 de fevereiro de 1986, mas eternizou centenas de canções no imaginário popular nas vozes de grandes intérpretes, como Cyro Monteiro, Beth Carvalho, Clara Nunes, Cazuza, Maria Bethânia, Chico Buarque, Caetano Veloso, Elizeth Cardoso, Paulinho Moska e Roberta Sá, Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, Nelson Gonçalves, Diogo Nogueira, entre muitos outros.

Defensor intransigente da escola de samba Mangueira, enturmou-se com Cartola e Carlos Cachaça, mas o seu parceiro mais presente foi Guilherme de Brito com quem compôs alguns clássicos da MPB, como “A flor e o espinho” (com parceria também de Alcides Caminha):

“Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca a flor
Eu só errei quando juntei minh’alma a sua
O sol não pode viver perto da lua”

 

Muitos músicos subiram os morros cariocas para beber na fonte de grandes compositores populares. Entre eles, o maestro Heitor Villa Lobos e compositores como Tom Jobim, Chico Buarque, Carlos Lyra, Vinicius de Moraes e muitos outros.

Nelson Cavaquinho só sentiu o gostinho de ouvir uma canção sua em disco em 1939, foi “Não faça vontade a ela”. Mas somente, anos depois o rádio tocava suas músicas na voz de Cyro Monteiro. Somente em 1970, porém, ele ouve sua voz no disco “Depoimento de um poeta”.

Conhecido com o “profeta dos desenganos”, ele despeja sua melancolia com suavidade e delicadeza em cerca de 400 composições que fazem parte do rico acervo da MPB. Como em “Rugas” (com Augusto Garcêz e Ary Monteiro):

“Eu que sempre soube
Esconder a minha mágoa.
Nunca ninguém me viu
Com os olhos rasos d’água.
Finjo-me alegre
Pro meu pranto ninguém ver.
Feliz aquele que sabe sofrer.”

 

Uma de suas mais importantes intérpretes, a cantora Beth Carvalho, que no ano passado completou 50 anos de carreira, acredita que “se o Nelson tivesse a chance do Tom Jobim de ir pro mundo, ele seria um dos compositores mais gravados do mundo.”.

Ela gravou entre outros sucessos a antológica “Folhas secas”, também em parceria com Guilherme de Brito:

“Quando eu piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha estação primeira

Não sei quantas vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando.

Quando o tempo avisar
Que não posso mais cantar
Sei que vou sentir saudade
Ao lado do meu violão
Da minha mocidade”

 

Em seu centenário, a sua escola do coração, a Mangueira, o homenageou na Sapucaí com o enredo “O filho fiel, sempre Mangueira”. Porém, “Ninguém ainda se debruçou sobre Nelson Cavaquinho como ele mereceria”, diz Paulinho da Viola. Até porque ele pediu homenagens em vida “Quando eu me chamar saudade” (com Guilherme de Brito):

“Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais”

 

Poucas pessoas têm a oportunidade de transformar seus amores e desamores, seu sofrimento e a dor dos outros em arte, como Nelson Cavaquinho fez. Nestes tempos mórbidos, faz falta a sua poesia delicada, onde prevalece a voz do morro. 

“O sol….há de brilhar mais uma vez
A luz….há de chegar aos corações
Do mal….será queimada a semente

O amor…será eterno novamente
É o Juízo Final, a história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer”

 

Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB

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