30 anos sem Cazuza: A poesia que resiste a todo mal que insiste em permanecer

Por Marcos Aurélio Ruy

“Enquanto houver burguesia, Não vai haver poesia” porque “a burguesia fede. A burguesia” só “quer ficar rica” como se pudesse impedir a história de acontecer. Mas a história acontece.

Que falta faz a irreverência de Agenor de Miranda Araújo Neto, codinome Cazuza, nestes tempos sombrios. Irreverência e poesia de resistência a tudo o que possa haver de ruim, tudo junto e ao mesmo tempo num sistema demolidor de sonhos e de vidas.

Nesta terça-feira (7), faz 30 anos que Cazuza deixou nosso convívio, vítima do vírus HIV, aos 32 anos. Tristeza sem fim.

Burguesia, de Cazuza, George Israel e Ezequiel Neves

Mais evidente do que nunca “a tua piscina tá cheia de ratos”, claro que “tuas ideias não correspondem aos fatos”, mas certamente “o tempo não para”. Principalmente porque “eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades”.

Vida que segue e a poesia resiste e insiste em denunciar uma burguesia insana. Mais insano ainda é quem pensa que é burguesia e depende de trabalhar todo dia para o seu ganha pão.

E Cazuza cantou de tudo. Viveu como quis. E mesmo sendo filho da burguesia, como ele próprio diz, entendeu que o capitalismo destrói o mundo, a vida e é contra o amor.

Por isso, ele cantou a vontade de “ser teu pão, ser tua comida, todo amor que houver nesta vida”, com refinada humildade “e algum trocado pra dar garantia”. Impossível não se apaixonar por quem escreve e canta dessa maneira.

O Tempo Não Para, de Arnaldo Brandão e Cazuza

Cazuza é o cara. Porque sua obra, como a arte de todo grande autor, vive e viverá a eternidade na mente de quem sonha, ama, trabalha, vive. De quem não esquece da história, vive o presente, mas acredita no futuro da humanidade. E ainda mais, na superação do ódio, da discriminação, da violência, “com todo amor que houver nesta vida”.

Ironicamente pedir piedade “pra essa gente careta e covarde” que “vive contando dinheiro”, com a certeza de tudo na sua ignorância trôpega de preconceitos e soberba. Porque “meus heróis morreram de overdose” e mais do que nunca “meus inimigos estão no poder”.

A vida segue em frente e além de não parar o tempo muda tudo como “num trem pras estrelas, depois dos navios negreiros, outras correntezas”. A história segue porque o tempo não para e não volta, claro. Porque a vida não é linear, mesmo que esteja “tudo fora do lugar” e aí é a hora de “contar uma história romântica”, quem sabe. E voltar para a vida.

Um Trem para as Estrelas, de Cazuza e Gilberto Gil

Cazuza transgrediu todas as regras preestabelecidas de uma vida regada à hipocrisia. Foi e é poesia pura. Viveu e cantou o seu amor pela vida e a sua disposição de permanecer ao lado dos sem voz, sem teto, sem nada, neste mundo carcomido pelo rancor e pelo ressentimento.

Todo Amor que Houver Nesta Vida, de Cazuza e Frejat

Cazuza faz falta. Um grande “artista no nosso convívio, pelo inferno e céu de todo dia, pra poesia que a gente não vive” e com toda a dedicação “transformar o tédio em melodia” e em rica poesia. Impossível não repensar sempre a obra desse enorme poeta, cantor e compositor. A emoção fica à flor da pele. “Pro dia nascer feliz” e “todo mundo acordar”. Sonho impossível?