Todo dia é dia de índio, não somente o 19 de abril
Publicado 18/04/2015
Pequena indiazinha merece viver com respeito e proteção
Desde 1943, no dia 19 de abril comemora-se o Dia do Índio. Parece muito bacana. Não para os índios que não reverenciam essa data, justamente porque para eles os 365 dias do ano são dias do índio. Para realçar seus direitos foi lançada a Mobilização Nacional Indígena que culminou com uma “invasão” ao Congresso Nacional na sexta-feira (16). Foi bonito de se ver. Somente em Brasília o Acampamento Terra Livre levou aproximadamente 1,5 mil indígenas brasileiros. Outros milhares se mobilizaram em seus estados.
A principal movimentação dos índios brasileiros hoje é pela extinção da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, de 2000, que pretende tirar do governo federal o poder de demarcar as terras indígenas e entregar essa decisão ao Congresso. “A aprovação dessa PEC seria a morte dos povos indígenas porque no Brasil o Congresso está dominado por ruralistas e empresários que querem tomar as terras dos índios assim como dos quilombolas para explorar suas riquezas”, preconiza a radialista e índia Terena Naine, que também é mestra em artes pela Universidade de Brasília e doutora em educação pela PUC-SP.
Segundo Naine, os latifundiários e mineradores querem explorar as terras indígenas para retirar as riquezas do solo e subsolo brasileiros e obterem altos lucros sem investir muito. Além do mais, “essa luta não é somente nossa, é de todos os brasileiros porque a ação dessa gente é predatória. Eles desmatam nossas florestas e secam nossos rios. A luta dos povos indígenas é também em defesa da natureza, pela preservação das florestas”, acentua Naine Terena. “Por isso barrar a PEC 215 é uma tarefa de todos, porque afeta a vida de todos os brasileiros”.
Já o cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe reclama que o atual presidente da Câmara é filiado à Frente Parlamentar da Agropecuária, dos ruralistas, e por essa razão não tem a confiança dos indígenas. “Já se passaram quase 30 anos da promulgação da Constituição. Na época determinaram que em cinco anos todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas. Esse prazo não foi respeitado e nem a Constituição está sendo. A própria casa que a criou quer desfazê-la. É uma vergonha”, afirma.
Naine Terena: “índios querem ser respeitados”
“Os conflitos se acirram porque querem nossas terras”, revolta-se Naine. “Por isso, nos mobilizamos para chamar a atenção da sociedade para a necessidade de sermos parceiros nessa empreitada, porque os povos indígenas estão no caminho dos que querem destruir a natureza e nós queremos preservá-la”, reforça. “A Funai (Fundação Nacional do Índio) está enfraquecida e isso nos obrigou a partir para a mobilização em defesa de nossos direitos, de nossas terras, de nossas vidas”.
População indígena
Pouco mais de 900 mil índios estão espalhados pelo Brasil atualmente. Nem sempre foi assim. O calvário dos povos indígenas começou no dia 22 de abril de 1500, quando os portugueses desembarcaram aqui. Eram cerca de 5 milhões dizem historiadores. Mas a violência contra os índios não parou no Brasil colônia. Segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena entre 20007 e 2013 foram mortos no Brasil 2.365 índios, entre os quais 833 vítimas de homicídio. De acordo com o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) somente em 2013 foram assassinados 53 índios, 62% deles no Mato Grosso do Sul, onde ocorrem grandes conflitos com fazendeiros pela posse das terras indígenas.
Naine cita o processo a que os Terena foram levados em Aquidauana (MS) onde o seu povo teve a posse da terra homologada em 2011, mas os fazendeiros entraram na Justiça com base no Marco Temporal, utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no processo referente às Terras Indígenas na Raposa Serra do Sol em 2009. O Marco Temporal deslegitima a posse de povos que estão em determinadas áreas a menos de 40 anos. “Mas eles desconhecem as razões porque os índios saíram das terras”, reclama Naine. Segundo ela isso ocorreu porque no período da Guerra do Paraguai muitos indígenas foram defender o Brasil e o Estado se aproveitou e doou as terras para latifundiários, deixando os índios sem terra. “Recorremos dessa ação e até o momento a Justiça está entendendo que se deve considerar os acontecimentos anteriores da nossa saída das terras”, sintetiza.
Como qualquer criança, indígenas brincam no parque
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Questão cultural e social
Até meados do século 20, o marechal Cândido Rondon fez incursões pelo Oeste do país e estabeleceu contato com povos indígenas. Para o bem e para o mal, chamou a atenção para essa população. Na época da ditadura fascista de 1964, os irmãos Villas-Bôas desenvolveram intenso trabalho de aproximação com os índios e criaram a reserva do Xingu como maneira de preservar a cultura e a vida dos índios. Sabe-se hoje que os militares mataram índios para tomar suas terras.
Desde o início da democracia há 30 anos, a questão indígena tem tomado os noticiários da imprensa burguesa com o intuito de incriminá-los e dizer que eles têm muitas terras. Na verdade as 305 etnias existentes no Brasil, que falam 274 línguas diferentes, não possuem mais do que 12,5% do nosso território. Cerca de 40% dos indígenas vivem em centros urbanos atualmente, espalhados por todo o país. “Essa é uma imposição, se existisse escolha, os índios permaneceriam em suas aldeias”, define Naine. “Como muitos brasileiros durante certo tempo tivemos que migrar para as cidades, expulsos de nossas terras, agora queremos o que é nosso direito”. São 339 terras indígenas esperando providência do Estado brasileiro e se isso passar para as mãos desse Congresso pode significar o fim dos índios.
De acordo com Naine, tem sido desenvolvido um intenso trabalho para desvalidar os indígenas. “Desde a mídia até o Congresso defendem o interesse do outro, não do índio”, acentua. “Há mais de 500 anos vêm tentando descaracterizar e desqualificar os povos indígenas”. Ela reclama que desde a colonização o homem branco tenta obrigar o índio a abrir mão das suas terras e de seu modo de vida. “Não respeitam nossa cultura, nossos saberes e atacam nosso modo de vida. Querem exterminar nossa cultura e quando não for possível querem nos extinguir fisicamente”.
Ela explica que os povos indígenas lutam para serem respeitados. “Essa história de integração tem prejudicado nossas vidas porque querem acabar com nossa cultura, nossos costumes, desrespeitando nossos saberes”. Para Naine, “os povos indígenas querem estar integrados à nação brasileira, através da cidadania, mas lutamos para preservar nossas especificidades, como têm as comunidades quilombolas, os trabalhadores rurais e urbanos”. Portanto, mais do que nunca é preciso reafirmar que todo dia é dia de índio. Como define a música Cara de Índio de Djavan: “Nessa terra tudo dá,/terra de índio./Nessa terra tudo dá,/não para o índio…/A minha também ta pouca,/cota de índio./Apesar da minha roupa,/também sou índio”. Para mostrar que a luta dos povos indígenas é intrínseca à da classe trabalhadora por vida melhor.
Por Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB