Presidente do TRT-2 rebate discurso sedutor da modernização: “O objetivo é retirar direitos”

Publicado 10/08/2016
“Vejo com muita preocupação este discurso, porque ela [a modernização] pode ser utilizada para eliminar direitos que foram conseguidos ao longo de algumas décadas de luta dos trabalhadores”, afirmou em entrevista à Rede Brasil Atual, o desembargador Wilson Fernandes, presidente eleito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), em São Paulo, o maior do país.
No TRT-2 concentram-se 14% das Varas, 11% da população e 20% dos casos novos do Judiciário trabalhista. Fernandes, que tomará posse no dia 3 de outubro, é crítico do discurso da pretensa modernização das relações do trabalho e não vê, por exemplo, relação direta entre flexibilização e criação de postos de trabalho.
O desembargador fala também do crescimento do número de processos nos últimos dois anos e sobre a ameaça de fechamento do Judiciário por questões orçamentárias.
A seguir, trechos da entrevista:
Flexibilização
Ao se posicionar contra a proposta que abre espaço para a flexibilização, Fernandes diverge de certa forma do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Filho, que já indicou apoio ao Projeto de Lei 4.962/2016, que trata da flexibilização.
“Tenho uma posição um pouco divergente porque entendo que num período de alto índice de desemprego dar uma autonomia maior para a negociação coletiva significa, como regra, retirar direitos do trabalhador”, justifica.
Ataques à CLT
Ao falar sobre as ameaças contra a CLT, o magistrado destacou: “Estamos falando de direitos consolidados, e de repente, num momento de dificuldade econômica, você pode por tudo isso a perder. Numa alteração legislativa em que você, supostamente, estaria beneficiando os trabalhadores, estaria prejudicando quem mais precisa da proteção da lei. Vejo com muita ressalva e preocupação essa flexibilização”.
E completou: “Ela cumpre seu papel [a CLT], não tem de ser refeita, tem de ser sofrer algumas adaptações para atender uma situação específica. Acho que regula razoavelmente bem as relações entre capital e trabalho”.
E rebateu o discurso daqueles que defendem que a CLT está ultrapassada. “A pretexto de quebrar esse engessamento [da economia] é que se chega nessa questão da flexibilização. O que pode ocorrer em alguns casos, mas isso não depende da CLT”, afirmou. Segundo ele, colocam, erroneamente, na conta da CLT os gargalos para gerar e manter os postos de trabalhos formais no país.
Terceirização
Na oportunidade, o magistrado também criticou o PLC 30, que trata da terceirização e tramita nesse momento no Senado.
“Acho que a terceirização precisa, sim, ser regulamentada. Mas entendo que o que deva ser regulamentado é a terceirização da atividade-meio, basicamente. Terceirizar a atividade-fim significa, nesse aspecto, precarização de direitos”, afirmou ele.
Negociado sobre o Legislado
Fernandes também externou sua posição sobre o debate em torno da ameaça do negociado se sobrepor ao legislado (quando o patrão manda mais que a Lei) e indicou críticas ao projeto que tramita na Câmara dos Deputados que abre caminho para essa proposta.
“Também vejo esse assunto com uma certa preocupação. Entendo que num período de alto índice de desemprego dar uma autonomia maior para a negociação coletiva significa, como regra, retirar direitos do trabalhador. Num período de pleno emprego, a negociação se faz com absoluta posição de igualdade. Num período de desemprego, o trabalhador está em desvantagem”, alertou.
Papel do TRT em São Paulo
Em 2015, o TRT recebeu um número recorde de processos, foram 460 mil processos e que, na opinião de Fernandes, é reflexo do momento econômico que o país vive.
“Estamos falando de dissídios individuais, reclamações. Mas eu observei também que, para ter uma ideia, em 2014 foram feitas aproximadamente 240 audiências de dissídio coletivo. Em 2015, eu fiz 320. Este ano, de fevereiro a junho, fiz 200, o que significa que devemos passar de 400 dissídios coletivos”, enumerou ele.
Mais
Natural de Brotas, no interior paulista, que conta visitar regularmente, Fernandes chegou a São Paulo aos 18 anos (tem 61). Trabalhou durante dez anos no Tribunal Regional Eleitoral, estudou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), foi nomeado por concurso para o cargo de procurador do Estado (em 1984). Dois anos depois, tornou-se juiz do Trabalho substituto. A partir de 1986, exerceu a presidência da 16ª Junta de Conciliação e Julgamento (atual Vara do Trabalho), até 2002, quando foi para o TRT.
Portal CTB – Joanne Mota, com informações da RBA