O PLP 149/2019 – Lições da Pandemia e os salários dos servidores

Por Remi Castioni

Dia 30 de abril, 19 horas em Brasília. A Esplanada entrou em polvorosa. Sindicatos e Centrais Sindicais espalharam rapidamente o Relatório Preliminar ao Projeto de Lei Complementar N. 149/2019, denominado de “Plano Mansueto”, elaborado pelo presidente do Senado Davi Alcolumbre. Seu conteúdo, no artigo 8, alterava o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal e proibia até 31 de dezembro de 2021, qualquer alteração de salários para todos os servidores, de qualquer forma, inclusive por meio de promoções e progressões, quinquênios, anuênios.

Sindicatos de servidores varreram a madrugada elaborando emendas, mobilizando as assessorias dos senadores, pressionando pela supressão dos artigos prejudiciais aos servidores. A mobilização prosseguiu no dia 1 de Maio e foi até a madrugada seguinte. Por que? 

Emendas seriam recebidas até 2 de maio (sábado), 10 horas da manhã. Isso mesmo. Sessão convocada para sábado a tarde, 16 horas no Plenário Virtual do Senado.  A sessão, de fato, se iniciou as 17 horas e se estendeu até a madrugada de domingo, dia 3.

O enfrentamento à Pandemia de COVID-19 no Brasil assume, como todos sabem, a imagem de uma esdrúxula resistência do próprio Executivo, que encarnou as vertentes mais anacrônicas e ineficientes de um liberalismo que já foi morto e enterrado por falência múltipla dos órgãos. 

Em cruzada brancaleônica o Executivo Federal vê nos Estados e Municípios, como já o fizera com as Universidades, inimigos perigosos e imaginários, incapaz de articular frentes de defesa contra o verdadeiro desafio, igualmente invisível, mas real. Não nos faltam exemplos de providências que deram certo e não deram certo em outros países e o Brasil vai respondendo aos trancos e barrancos e muitas instituições vão a reboque, aos tropeços e soluços, na mesma falta de direção política e, porque não dizer, sindical. Com respostas frágeis, reagindo a posteriori aos ventos da pequena e da grande política, com suas posições “nanopolíticas”, por assim dizer.

Mas do que trata o PLP 149 e seu substitutivo?

O PLP 149/2019 nasceu como uma estratégia para ajudar as finanças de estados e municípios, ainda em 2019, quando seis deles: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Roraima, Rio Grande do Norte e Mato Grosso, decretaram situação de calamidade financeira. A partir disso, por pressão das bancadas no Congresso Nacional, o governo federal elaborou uma proposta que iniciou a tramitação em junho/2019 e foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 14/04/2020, já durante a pandemia. O Plano previa condicionalidades como transparência e, particularmente, redução de gastos de pessoal que não foram acatados pela Câmara, como o congelamento de salários.

Logo que foi aprovado pela Câmara, o governo federal chantageou o Senado Federal e disse que se aprovado, como havia saído da Câmara, seria vetado na íntegra. Estados e municípios começaram a apresentar dificuldades no combate à pandemia e pressionaram. Sem atividade econômica, a queda da arrecadação empurrou o problema para o Senado. Aí entrou a figura do presidente do Senado, Davi Alcolumbre que, num fato inédito, assumiu a relatoria do Projeto e negociou um pacote de R$ 125 bilhões a ser pago em seis parcelas. A primeira prevista para 15 de maio. Para tanto, precisa correr para que a autorização chegue à Secretaria do Tesouro Nacional, para entrar nos repasses do FPE e do FPM na semana que vem.

Com tramitação que se iniciou em 15/04/2020, o Senador Davi Alcolumbre procurou aparar as arestas entre a equipe econômica e o Congresso Nacional e animou a agenda de prefeitos e governadores, inclusive propôs no seu relatório dividir ao meio a ajuda. Na noite de sábado, os senadores aumentaram  a fatia da divisão a favor dos Estados, 60% a 40%.

O dia 30 de abril. A véspera do 1 de Maio

No que nos interessa, o Relatório preliminar divulgado na quinta-feira a noite, resgatou aspectos rejeitados pela Câmara apresentados pelo relator dep. Pedro Paulo/RJ. Coube à municipalista, Senadora Rose de Freitas/ES, a mesma que é autora da PEC 53/2016, que insere a educação como atividade essencial, não para valorizá-la, mas sim para proibir greves. Ao apresentar por meio da Emenda n.8, os mesmos elementos apresentados pelo Relator da Câmara, que restringem os direitos dos servidores, a Emenda deu os contornos para que o Relator acolhesse na íntegra a vedação pretendida por Paulo Guedes desde o ano passado, quando tentou com a PEC do Pacto Federativo (N. 188/2019) o congelamento de salários. Entre as medidas, além do congelamento de salários, previsto no caput do artigo 8, o mais prejudicial está no Inciso IX, que suprimia promoções e progressões – incluindo o tempo de progredir até 31/12/2021, de aproximadamente 18/19 meses, que seria suprimido e não poderia ser contabilizado, valendo isso para todos os servidores do Brasil, de todos os Poderes e todos os órgãos.

Numa articulação que começou na quinta a noite ainda, com o apoio da Federação PROIFES, e de vários professores espalhados pelo Brasil afora e em contato com Senadores, houve intensa mobilização para elaborar emendas visando a supressão do artigo 8. As propostas de Emendas foram acolhidas e uma delas, que suprimia o Inciso IX, quase foi a votação às 23h30 de sábado a noite, dia 2 de maio e onde haveria grande chance de sucesso. No acordo para votação, que atravessou a madrugada de domingo, foram suprimidas as menções a contagem de tempo para progressão e a promoção, que se vinculam mais ao setor federal do que os estados e municípios. Foi uma meia vitória, mas diante do que se apresentava se salvou pelo menos o tempo. Entretanto, os servidores dos Estados e municípios terão descontados o tempo para anuênios e quinquênios, da promulgação da Lei até 31 de dezembro de 2021. 

Neste particular merece destaque o seguinte. A Rede e a Liderança da Minoria, por meio do Senador Randolfe, Rede/AP, destacou o texto do artigo 8, e do seu Inciso IX, para voltar em separado e já contava com a simpatia para a supressão (contagem do tempo). Vários senadores se manifestaram a favor, como Espiridião Amim e Antonio Anastasia. No entanto, usando sua condição de líder o senador Fernando Bezerra/PE e Eduardo Braga/AM, desferiram os maiores ataques e ameaças pela supressão. Nos seus argumentos, verbalizaram todos os impropérios que repete o ministro Paulo Guedes contra os servidores.  Ambos senadores, Fernando Bezerra e Eduardo Braga, deveriam ser declarados inimigos dos servidores em primeiro grau.

O ineditismo de um PLP

O PLP 149/2019 provocou uma situação inusitada no processo legislativo. Em menos de 15 dias foram apresentadas 203 Emendas e mais 45 Emendas no PLP 39/2020, que pela costura do Relator acabou por absorver o PLP da Câmara e na essência, anulou o que a Câmara produziu durante mais de 6 meses. O Relator Davi Alcolumbre se aproveitou de um PLP que tramitava no Senado, o PLP 39/2020, e o fundiu com o da Câmara. Ou seja, o que segue agora para a análise na Câmara dos Deputados não é o projeto que se iniciou lá, e sim, o que iniciou no Senado. Em termos de técnica legislativa significa dizer que se inverteu a Casa revisora. Dessa forma, mesmo que se anule o artigo 8, do PLP 39/2020, pretensão desde o início, ele terá que retornar ao Senado, que construiu o acordo e não é difícil adivinhar que o que por acaso for suprimido pela Câmara será reposto pelo Senado. Com a pressão de Estados e Municípios que necessitam de recursos podemos ter uma ideia de que anular algo na Câmara agora passou a ser uma miragem. O projeto na Câmara deve ser votado nesta segunda-feira e ir direto ao Planalto para sanção. 

Consulte aqui o PLP 39/2020

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141188

Como foram as Emendas pela supressão do artigo 8

Alguns Senadores acolheram propostas de texto para mudar o artigo 8 oferecidas pelo PROIFES e por outras entidades, primeiro pela revogação total e depois com revogação dos Incisos mais prejudiciais, caso a supressão completa do artigo não pudesse ser acolhida.  Na íntegra, com os mesmos motivos apresentados, foram a Emenda 132 (Sen. Contarato/ES), pela supressão do Inciso IX; Também acolheram pela supressão do Inciso IX, Emendas 174 e 139 (Sen. Weverton/MA); Emenda 35 (Sen. Izalci Lucas/DF), Emenda 54 (Sen. Lucas Barreto/AP), Emenda 85 (Zenaide Maia/RN) e Emenda 62 (Sen Vital do Rego/PB). Emenda 103 (Sen Rogerio Carvalho/ES), que modulava o Inciso IX. A Emenda 122 (Sen Randolfe Rodrigues/AP), pela supressão total do Inciso IX, fala explicitamente dos prejuízos ao magistério, inclusive com o texto sugerido. Existia um conjunto de Emendas que livravam da aplicação do artigo 8, os servidores militares e civis das áreas de segurança, saúde e educação,  porém, não era explícita a inclusão dos profissionais do magistério, não envolvidos diretamente com a pandemia. Nessa direção foram as Emendas 158 (Sen. Fernando Collor/AL) e Emenda 159  (Sen. Flávio Arns/PR) para não aplicação do Inciso IX de forma geral aos servidores; a Emenda 141 (Sen. Marcos do VAL/ES) fala dos servidores destas categorias, envolvidos no combate à pandemia. As Emendas 113, 114 e 115 (Sen. Randolfe/AP) também excluiam os servidores da saúde e educação da aplicação do artigo 8. A Emenda 121 (Sen. Randolfe/AP) era pela supressão total do artigo 8. 

Mais detalhes consultar:

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141571

O Resultado:

Ao que nos interessa o famigerado artigo 8, diz o seguinte:

Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os  Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

I – conceder a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores

e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;

II – criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III – alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV – admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa, aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgão de formação de militares;

V – realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI – criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade;

VII – criar despesa obrigatória de caráter continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;

VIII – adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo IPCA, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal;

IX – contar esse tempo como de período aquisitivo necessário, exclusivamente, para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio (promoções, progressões, incorporações, permanências) e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins;

O Inciso IX foi o único, no que se refere a este artigo, que foi exaustivamente defendido pela Bancada da Rede e pela Liderança da Minoria, para ser rejeitado e que contou com a simpatia de vários senadores, alguns dos quais professores federais, a saber, Antonio Anastasia e Espiridião Amin. Se fosse a votação o Inciso IX seria rejeitado. No entanto, como nos referimos a pressão da Liderança do Governo forçou um acordo e houve flexibilização, conforme consta acima (a parte riscada foi suprimida e em negrito acrescida). 

Na negociação foi suprimido o veto a progressões e promoções e reposta a garantia da contagem (veja o texto marcado acima). Combinado com o Inciso I é possível concluir que, ao menos, a contagem de tempo para as progressões e promoções está garantida. No entanto, mantida a exclusão para a contagem de tempo para anuênios, triênios e quinquênios, licenças-prêmio, que como nos referimos acima atinge notadamente os servidores municipais e estaduais. O pagamento decorrente da mudança para promoções e progressões, no entanto, será objeto de grandes discussões. Mas foi o que se conseguiu.

Lições de Abril

A tramitação do PLP mostrou claramente que as entidades ligadas à segurança levaram tudo o que pediram e até mais. Os profissionais da saúde, envolvidos no combate a pandemia foram juntos. Foram preservados por várias Emendas de diversos representantes, notadamente das chamadas forças de segurança, entre eles o mais proeminente, o Major Olimpio/SP, e outros parlamentares que representam delegados, policiais, bombeiros e guardas de trânsito. Portanto, as forças de segurança e os profissionais da saúde serão preservados tanto da contagem do tempo como livres do congelamento.

E os professores? Quase perderam seu tempo nas promoções e progressões.

Se não fosse o trabalho abnegado e incansável do PROIFES, por pouco não teríamos sequer garantido o tempo para progredir.  

Enquanto isso, como sempre, as entidades mais organizadas e com poder de ação junto ao Congresso Nacional são mais ágeis em mobilizar seus representantes e ativar a manutenção das suas conquistas. Não é o caso dos demais segmentos dos servidores que se perdem com seus sindicatos olhando para os próprios umbigos e preocupados em mistificar a resistência política e sindical. As lições de abril deixam claro que os sindicatos, federações e confederações, que não tiverem um trabalho permanente no Congresso Nacional a cada dia perderão mais suas conquistas. Ladeadas as chamadas categorias das forças de segurança, as categorias que representam as carreiras típicas de Estado são as que mais fazem trabalho sistemático nas Comissões e no Plenário. Os demais sindicatos têm de aprender a fazer isso, como também se utilizar das ferramentas e plataformas digitais. Sem o domínio destes instrumentos os sindicatos de servidores sofrerão enormemente nos próximos anos.

A pandemia trouxe uma novidade. O uso intensivo das plataformas digitais.  Qualquer pessoa com um smartphone consegue gerar para o mundo a sua opinião não importa onde esteja. Dessa forma, a construção de petições, moções, notas de repúdio, lives, webinários e o estímulo a outras tantas formas de expressar posições políticas em defesa dos interesses dos trabalhadores e da categoria dos servidores têm de ser apropriadas. Os sindicatos têm de se reinventar na forma de fazer política. Romper com as estruturas burocráticas e dar respostas a questões como esta que em 2 dias, num final de semana, mudou a vida de 12 milhões que tem vínculos com a Administração Pública.

Vamos à luta! Até o fim. Pela supressão do artigo 8 do PLP 39/2020. Pressione o seu representante

https://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/fale-com-o-deputado

Remi Castioni é Professor da Faculdade de Educação da UnB

[email protected]

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