Mudança no Código Penal pode tornar Lei Maria da Penha obsoleta

Tramita no Senado Federal um projeto de lei que pode colocar a perder uma das mais importantes conquistas das mulheres brasileiras das últimas décadas: a Lei Maria da Penha. O referido texto (PLS 156/09) trata da reforma do Código Penal e possui, em um dos seus artigos, uma mudança que tornará mais brandas a violência doméstica e familiar.

Uma das principais preocupações está relacionada à incorporação, no projeto do novo Código Penal, dos aspectos penais da Lei 9.099/95, que instituiu os juizados especiais criminais e cíveis. A Lei Maria da Penha combate a punição branda e as penas alternativas, além de estabelecer a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor. Já a lei dos juizados especiais não prevê a prisão em flagrante ou preventiva, além de favorecer a conciliação entre as partes. Se aprovado o projeto com seu texto atual, deverá ser revogado o artigo 41 da lei Maria da Penha, que exclui os crimes de violência doméstica e familiar da incidência da Lei dos juizados especiais. Desta forma, a violência doméstica e familiar seria colocada novamente como uma infração de menor potencial ofensivo.

Um outro ponto polêmico é o artigo 296 do projeto. Ele permite ao juiz a extinção da punição para que esta não cause transtornos aos envolvidos e às envolvidas, ou seja, se em seu entendimento a punição possa abalar a harmonia familiar. Dessa forma, privilegia-se novamente a conciliação, o que pode ter como consequência um aumento nos índices de reincidência.

"Estou apavorada com essa reforma", disse, em entrevista à Revista Istoé, a biofarmacêutica cearense Maria da Penha Fernandes, cidadã que se tornou símbolo da lei que já levou cerca de 1.800 homens à cadeia por conta de agressões a mulheres.

Exemplo para a ONU

A preocupação de Maria da Penha, que vive sobre uma cadeira de rodas devido aos tiros que levou de seu ex-marido, um professor universitário que tentou matá-la por não se conformar com a separação, é a mesma de juízes, defensores públicos e promotores de Justiça que militam na área da violência doméstica.

A ministra da Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM), Nilcéa Freire, também está angustiada. "Esse projeto não pode ser votado da maneira que está porque praticamente acaba com uma lei que a ONU classifica como uma das três melhores existentes no mundo para diminuir a violência contra a mulher", adverte, também à Istoé.

Necessidade de mobilização

Para Márcia Almeida Machado, vice-presidente da CTB, será uma grande derrota para o movimento de mulheres no Brasil se tal mudança no código penal realmente ocorrer. “Nós, homens e mulheres, precisamos nos mobilizar para evitar que isto aconteça. A Lei Maria da Penha é resultado da luta de uma mulher que, mesmo com muita dor e sofrimento, conseguiu sair da sua individualidade e lutar para estender este instrumento a todas as mulheres. Só isso bastaria para que nos posicionássemos para o enfrentamento desta mudança, que considero uma agressão a ela e, via de consequência, a nós todas”, afirmou.

Márcia Almeida entende que a CTB, por seu compromisso com as trabalhadoras brasileiras e com toda a sociedade em geral, irá se mobilizar com o intuito de pressionar o Senado a evitar tamanho retrocesso. “A CTB deverá encaminhar aos fóruns próprios a sua posição e, certamente, construiremos movimentos de resistência com os movimentos sociais — em especial o de mulheres— para exercermos o nosso direito de cidadã, de garantia de uma vida livre de violência e maus tratos, sem nos esquecermos do exemplo de Maria da Penha.

Fernando Damasceno, com informações da Presidência da República

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