Fachin alerta para ameaças recorrentes à democracia

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, admitiu uma preocupação com as eleições nacionais de 2022. Na ocasião, o magistrado estará à frente do TSE.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Fachin afirmou: “estou extremamente preocupado com as ameaças que a democracia vem sofrendo no Brasil e com aquilo que pode resultar das eleições de 2022”.

Leia abaixo trechos da entrevista:

Qual tipo de corrupção mais preocupa o senhor? Tenho nos dias atuais uma preocupação agravada com a corrupção da democracia, ou seja, com o conjunto das circunstâncias que mostram que Brasil está vivendo processo desconstituinte. E portanto, nesse sentido, há indubitavelmente uma preocupação imensa com a força republicana da Constituição de 1988 e especialmente porque há pelo menos sete sintomas que estão revelando hoje a corrupção da democracia no Brasil.

Quais são os sintomas? Em primeiro lugar, a remilitarização do governo civil, que é um sintoma preocupante. Em segundo lugar, intimidações de fechamento dos demais Poderes. Em terceiro, declarações acintosas de depreciação do valor do voto. Em quarto, palavras e ações que atentam contra a liberdade de imprensa. Em quinto lugar, incentivo às armas e por consequência a violência —o Brasil precisa de saúde e educação, não de violência nem de armas.

Em sexto lugar, a recusa antecipada de resultado eleitoral adverso. Em sétimo lugar, revelando portanto que vivemos uma crise da democracia, e a corrupção da democracia é o arbítrio, há um grave problema da naturalização da corrupção de agentes administrativos e portanto isso mostra que a corrupção da democracia está no presente momento associada às forças invisíveis da grande corrupção. A grande corrupção no Brasil funciona como o coronavírus, provoca efeitos danosos imensos, mas não é visível a olho nu.

A corrupção da democracia pode representar um risco para as eleições presidenciais de 2022? Como vice-presidente do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e como futuro presidente que vai preparar as eleições de 2022 estou extremamente preocupado com as ameaças que a democracia vem sofrendo no Brasil e com aquilo que pode resultar das eleições de 2022.

Minha preocupação central, razão principal pela qual hoje estamos conversando, é a preocupação com as eleições de 2022 e a higidez do sistema eleitoral brasileiro. É preciso defender a democracia, proteger a democracia e proteger o sistema eleitoral brasileiro. Dentro dele como instrumento da democracia nós vamos sair da crise sem sair da democracia.

O senhor acredita que pode ocorrer algo similar à invasão do Congresso americano por apoiadores de Donald Trump? Sobre esse episódio eu chamaria a atenção não apenas do que ocorreu, mas pelo que não ocorreu. Note-se que lá não ocorreu a adesão de lideranças políticas à tentativa de golpe e não ocorreu a atuação ilegítima das forças de segurança e das Forças Armadas. E em terceiro lugar não ocorreu nenhuma aquiescência internacional. Esses três fatores bloquearam o golpe nos Estados Unidos, o sistema político reagiu, o sistema eleitoral mostrou sua legitimidade e sua reação acima das diferenças partidárias. É o que se espera aconteça aqui no Brasil para que a democracia não se corrompa em arbítrio. Nessa medida minha maior preocupação nesse momento é a corrupção da política.

A presença de um general da ativa no primeiro escalão do governo federal (Eduardo Pazuello, ministro da Saúde) é negativa para a democracia? Do ponto de vista da democracia e da subordinação a um governo civil, aparentemente o que se coloca em militares da ativa que são convocados para funções políticas de governo, é um sintoma, um indício que preocupa. Quanto mais isolado, quanto menos isso ocorrer, mais saúde terá a democracia brasileira.

Na visão do senhor, qual é o marco temporal para um investigado ser considerado réu? O STF aceitou duas denúncias contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas ainda não abriu formalmente a ação penal. Ele já é réu ou pode assumir a Presidência da República? Eu sou relator de numerosos procedimentos no tribunal e portanto sobre procedimentos cujo julgamento ainda está em curso e poderá ocorrer eu tenho por hábito não me manifestar. Em abstrato não há dúvida alguma, do meu ponto de vista, que o recebimento da denúncia torna o denunciado réu. Ponto.

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