Empresários bolsonaristas que coagirem seus funcionários nas eleições podem ser punidos pelo crime eleitoral

Empresários bolsonaristas já deixaram transparecer, em mais de uma ocasião, a intenção de coagir funcionários de suas empresas a votar em Jair Bolsonaro em 2 de outubro. No grupo de empresários golpistas sob investigação da PF por determinação do STF, o proprietário do shopping Barra World, José Koury, cogitou oferecer um bônus ao trabalhador ou trabalhadora que votar Jair Bolsonaro.

Em mensagens no fasmigerado grupo golpista do WhatsApp, reveladas pelo site Metrópoles, Koury afirma que a medida seria uma “ótima ideia”, mas como um néscio alega desconhecer se remunerar funcionários para comprar lealdade política era ilegal ou não. “Alguém aqui no grupo deu uma ótima ideia, mas temos que ver se não é proibido. Dar um bônus em dinheiro ou um prêmio legal pra todos os funcionários das nossas empresas”. Ora, é evidente que isto configuraria compra de votos, um crime que fere o Código Eleitoral e pode ser punido com 1 a 4 anos de prisão.

Mas a burguesia bolsonarista é composta de meliantes de alto coturno e está acostumada a agir à margem da lei, pretextando uma ignorância que a lei não admite com a convicção de que pode dobrar tribunais com seu poder econômico.

O golpista José Koury não é um caso isolado.

O latifundiário Cyro de Toledo, conhecido como Nelori Cyro, divulgou vídeo onde promete gastar R$ 90 mil com bonificações para seus funcionários caso Bolsonaro seja reeleito. O bolsonarista ainda disse com a cara limpa que isto não seria compra de votos. “O que sentimos na fazenda é que os salários estão muito baixos e o custo de vida, muito alto. Todos os meus empregados estão com problema. Então, uma forma que vi de ajudar e resolver o problema foi isso”. O cara de pau sugere que estaria descontente com os salários miseráveis que paga em sua fazenda. Se fosse o caso, a solução seria simples, bastaria aumentar o valor da remuneração, mas a falsidade é o ofício do bolsonarismo.

Diante dessas manifestações retrógradas, que remetem ao tempo do voto de cabresto nos currais eleitorais dos velhos coroneis, o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou recentemente a Recomendação 01/2022 em que cita a Convenção 190 da OIT e alerta que a “concessão ou promessa de benefício ou vantagem em troca do voto, bem como o uso de violência ou ameaça com o intuito de coagir alguém a votar ou não votar em determinado(a) candidato(a), configuram atos ilícitos e fatos tipificados como crimes eleitorais, conforme artigos 299 e 301 do Código Eleitoral”. Além disto, as práticas citadas configuram assédio eleitoral laboral e ensejam a responsabilização do(a) assediador(a) na esfera trabalhista.

A lei, por sinal, é clara e não deixa margem a dúvidas. Abaixo reproduzimos a íntegra do documento:

RECOMENDAÇÃO 01/2022
O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por meio da COORDIGUALDADE – Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, no exercício das atribuições que lhe conferem os artigos 127 e 129 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), bem como os artigos 6º, XX, e 84 da Lei Complementar n.º 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União);

CONSIDERANDO que o Ministério Público do Trabalho tem por incumbência a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o que inclui a promoção
da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da justiça social nas relações laborais (CF/1988, artigos 1º, III e IV, 127, caput, e 170);

CONSIDERANDO que ao Ministério Público do Trabalho compete a adoção das medidas de natureza extrajudicial e judicial necessárias ao alcance daquelas finalidades, notadamente a expedição de
Recomendações, a instauração de Inquérito Civil Público, a proposição de Termo de Ajustamento de Conduta, bem como o ajuizamento de Ação Civil Pública, nos moldes do artigo 129, III e VI, da CF/1988, dos artigos 6º, VII, XIV e XX, e 83, III, da Lei Complementar n.º 75/1993, além dos artigos 1º e 5º, I, § 6º, da Lei n.º 7.347/1985;

CONSIDERANDO que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 repele a discriminação sob quaisquer de suas formas (artigos 1, 2 e 7), na medida que toda pessoa é digna de igual consideração e
respeito; Documento assinado eletronicamente por múltiplos signatários em 26/08/2022, às 11h55min03s (horário de Brasília).

CONSIDERANDO que a Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Decreto n.º 10.088/2019, Anexo XXVIII), norma de status supralegal, que versa sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, em seu artigo. I, “a”, proíbe “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão”;

CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito, que tem por fundamentos, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político (CRFB/1988, art. 1º, II, III, IV e V);

CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil possui como um dos seus objetivos o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CF/1988, artigo 3º, IV), consagrando o direito à nãodiscriminação no âmbito das relações de trabalho (CF/1988, artigo 5º, XLI e 7º, XXX);

CONSIDERANDO que a tutela da dignidade da pessoa humana pressupõe a efetivação dos direitos fundamentais nas relações privadas, incluindo as de trabalho;

CONSIDERANDO que o ordenamento jurídico pátrio resguarda a liberdade de consciência, de expressão e de orientação política (CF/1988, art. 1º, II e V; 5º, VI, VIII), protegendo o livre exercício da cidadania, notadamente por meio do voto direto e secreto, que assegura a liberdade de escolha de candidatas ou candidatos, no processo eleitoral, por parte de todas as pessoas cidadãs;

CONSIDERANDO que a Convenção n.º 190 da OIT, aplicada por força do art. 8º da CLT, reconhece que a violência e o assédio no mundo do trabalho constituem violações ou abusos aos direitos humanos, e que
a violência e o assédio são uma ameaça à igualdade de oportunidades, portanto, inaceitáveis e incompatíveis com o trabalho decente, que deve se pautar pelo respeito mútuo e pela dignidade do
ser humano;

CONSIDERANDO que a Convenção 190 da OIT estabelece, em seu artigo 5º, o dever de respeitar, promover e realizar os princípios e os direitos fundamentais no trabalho, nomeadamente a eliminação da
discriminação relativamente a emprego e à profissão, devendo, igualmente, serem adotadas medidas objetivando a promoção do trabalho decente;

CONSIDERANDO que o exercício do poder empresarial é limitado pelos direitos fundamentais da pessoa humana, o que torna ilícita qualquer prática que tenda a excluir ou restringir, dentre outras, a liberdade do voto das pessoas que ali trabalham;

CONSIDERANDO que a concessão ou promessa de benefício ou vantagem em troca do voto, bem como o uso de violência ou ameaça com o intuito de coagir alguém a votar ou não votar em determinado(a)
candidato(a), configuram atos ilícitos e fatos tipificados como crimes eleitorais, conforme artigos 299 e 301 do Código Eleitoral;

CONSIDERANDO que, além de crime eleitoral, as práticas acima citadas configuraram assédio eleitoral laboral, e ensejam a responsabilização do(a) assediador(a) na esfera trabalhista;

RECOMENDA
a empresas e empregadores(as) em geral a adoção das seguintes providências:

  1. ABSTER-SE de conceder ou de realizar qualquer promessa de concessão de benefício ou vantagem a pessoas que buscam trabalho ou possuem relação de trabalho com sua organização (empregados,
    terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros) em troca do voto de tais pessoas em candidatos ou candidatas nas próximas eleições;
  2. ABSTER-SE de ameaçar, constranger ou orientar pessoas que possuem relação de trabalho com sua organização (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros) ou mesmo aquelas
    que buscam trabalho a votar em candidatos ou candidatas nas próximas eleições.
    Adverte-se, desde já, que o não cumprimento da presente Recomendação ensejará a adoção das medidas administrativas e judiciais cabíveis pelo Ministério Público do Trabalho, com vistas à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade criminal pelos órgãos competentes.

Brasília, 26 de agosto de 2022
ADRIANE REIS DE ARAUJO
Procuradora Regional do Trabalho
Coordenadora Nacional da COORDIGUALDADE
MELÍCIA ALVES DE CARVALHO MESEL
Procuradora do Trabalho
Vice-Coordenadora Nacional da COORDIGUALDADE

Charge de Mau Jorge