Centenas de especialistas se encontram em SP para debater trabalho e previdência; assista

Publicado 18/03/2017 - Atualizado 31/07/2019
O seminário “Democracia e Direitos dos Trabalhadores”, que acontece nesta sexta-feira e sábado (17 e 18) em São Paulo, reuniu centenas de advogados, juristas e representantes sindicais para tratar dos aspectos jurídicos das reformas trabalhista e previdenciária – as propostas que dominarão Brasília nos próximos meses. Pela manhã, o evento foi inaugurado pela ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Katia Arruda, que fez uma recapitulação histórica das leis trabalhistas no Brasil, e por uma mesa sobre os impactos do golpe sobre a classe trabalhadora.
No período da tarde, os participantes presenciaram mais duas mesas, uma sobre “Direitos dos Trabalhadores e Reforma Trabalhista”, outra sobre as consequências sociais da Reforma da Previdência.
Na primeira delas, dividiram o microfone Delaíde Alves Miranda Arantes, ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Cezar Britto, ex-presidente da OAB, Roberto Parahyba, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), e Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Trabalho como punição
O enfoque na reforma trabalhista foi afirmado primeiramente por Adilson, que começou sua fala delineando a intenção maior do governo de Michel Temer. “É um desmonte do Estado em sua concepção de proteção social, não há dúvidas”, categorizou. “O golpe se deu justamente por jamais eles conseguiriam levar um projeto desses adiante por vias eleitorais”.
Adilson dedicou sua exposição a uma reflexão sobre as consequências do negociado sobre legislado, estabelecido pelo PL 6.787/16 e parte central da reforma trabalhista que vem sendo apressada pelo Congresso. Ele rememorou a dificuldade que os bancários tiveram para negociar o reajuste salarial na ocasião mais recentes, mesmo com históricos 31 dias de greve, e que mesmo diante de uma categoria altamente mobilizada, os patrões não cederam mais do que um acordo abaixo da inflação. “Agora vocês imaginem como seria esse mesmo caso se não nos fosse garantido o direito de paralisação, o direito de assembleia, o acesso à Justiça do Trabalho… Eles poderiam impor o que quisessem”, analisou. Adilson continuou sua análise da situação dos bancários com comentários sobre a tendência de terceirização enfrentada pela categoria. “Eles ganham menos, trabalham mais, sofrem mais acidentes de trabalho, não têm nenhuma garantia de luta. O que os bancos querem, no final, é deixar todo mundo assim”.
O presidente da CTB condenou também a atitude agressiva por membros do governo contra a Justiça do Trabalho, em especial o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Maia, que recentemente afirmou que “a Justiça do Trabalho não deveria nem existir”, seria apenas outro sintoma na crescente criminalização desse setor da Justiça. “Mas isso também serve de convite à reflexão, não convem deixar para outra entidade apresentar as demandas da classe trabalhadora. Não podemos deixar só nas costas do governo, nós temos que lutar com mais ênfase, abraçar a Justiça do Trabalho com mais força. A gente cochilou e eles avançaram. Eu penso que o tempo é o de resistir a todo custo”. A fala do sindicalista pode ser assistida na íntegra logo abaixo:
A fala de Roberto Paraiba, da ABRAT, adotou um tom um pouco mais melancólico, detalhando a “triste realidade brasileira”. Ele lamentou a grande desigualdade de salários mulheres e homens, negros e brancos, e acusou: “o que está sendo feito com essas reformas está indo diametralmente contra o que determina a Constituição Federal, que foi construída para tentar aplacar a desigualdade enorme que caracteriza o Brasil”. Por meia hora, Paraíba reconstruiu a trajetória jurídica da proteção aos direitos sociais no séc. XX, explicando a importância dos Princípios Constitucionais, cuja violação é muito grave que uma lei comum. “O que se ensaia fazer agora é justamente isso: não necessariamente violar a lei, mas os princípios que regem a própria função da lei. O negociado sobre o legislado cria uma nova realidade, em que apenas um lado pressupõe renúncias, e isso servirá de instrumento para o agravamento da exploração do trabalho no Brasil”.
Delaíde Alves preferiu focar sua fala na análise econômica das questões trabalhistas, e sua mensagem foi clara: agora não é a hora de pensar nisso. “O que se vive neste momento é um momento de neoliberalização da política, e em todo lugar em que isso foi implementado, foi necessário primeiro desmoralizar a política. O domínio do mercado começa necessariamente pela desmoralização das instâncias reguladoras, e daí vem também os ataques à Justiça do Trabalho”, explicou. Ela acusou os perpetradores do golpe de serem os mesmos que aterrorizaram a população em momentos de conquistas importantes, como o da aprovação da CLT ou do 13º salário.
Veja na íntegra o discurso de Delaíde:
O último a falar na primeira mesa foi Cezar Britto, ex-presidente da OAB. Simpático, ele falou sobre a a evolução da relação da sociedade com o trabalho ao longo dos séculos, e explicou que o trabalho foi, pela maior parte da História, considerado como punição para classes inferiores. Inovações como a Justiça do Trabalho e o trabalho digno surgiram apenas quando organizou-se o movimento sindical, durante a Revolução Industrial. Isso, por sua vez, exigiu das classes dominantes uma série de concessões, que agora a ultraliberização econômica coloca em xeque. “Nos anos recentes, toda mudança legislativa veio no sentido de ampliar a exploração. A Lei da Falência, por exemplo, antes garantia primeiros os direitos trabalhistas, hoje garante primeiro as obrigações financeiras. Volta-se a ter a visão do trabalho como mercadoria, e o trabalhador como custo produtivo. É preciso defender sim a modernização da legislação do trabalho, mas sob a perspectiva do trabalho como fator de dignidade, e não como obstáculo”.
Sua fala pode ser vista aqui:
Afinal, para que serve a Previdência?
Na segunda metade da tarde, dois pesos-pesados do Direito Previdenciário se uniram para analisar a Reforma imposta por Temer: o ex-ministro da Previdência de Lula e Dilma, Carlos Gabas, e o advogado e professor de Direito Previdenciário Sérgio “Pardal” Freudenthal.
Pardal começou tecendo elogios a Gabas pela reestruturação da Previdência promovida durante o governo Dilma, e explicou o diferencial com o governo Temer. “Olha, não existe coisa pior do que discutir Previdência com quem não entende nada de Previdência, é uma coisa muito difícil. Esse governo aí, fica claro é que só atende às demandas do mercado financeiro, que não vê diferença entre homens e mulheres, urbanos e rurais. Na realidade, se eles fizerem da Previdência o que eles querem fazer, em 30 anos ela estará morta”, disse. Ele criticou de forma impiedosa os absurdos das novas regras propostas, com particular atenção para as regras de transição, que podem impactar de forma muito mais agressiva quem hoje recebem as maiores proteções. “Parece caso pensado, para fazer crescer a informalidade e a evasão da contribuição. Muita gente vai ficar sem garantia de benefício, outros vão ter que trabalhar mais de 10 anos a mais para conseguir a mesma aposentadoria. E isso vai inviabilizar a sobrevivência no campo”.
O advogado lembrou, no entanto, que depende de todos os brasileiros defender a Previdência neste momento: “A gente tem que lembrar, o sistema não veio de graça, foi custoso construir o que temos. Temos que impor resistência, revelando as mentiras e meias-verdades que estão sendo usadas para empurrar essa proposta”.
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A última fala do dia foi a do ministro Carlos Gabas, que falou com um tom particularmente apaixonado. Gabas tem motivo especial para se sentir frustrado com a proposta de Temer, pois formulou o modelo que hoje determina o funcionamento da Previdência. Ver seu trabalho ser jogado fora a troco de um projeto de desmonte deixa-o claramente agitado.
“Essa proposta que está aí tem erros tanto na forma, porque não consultou ninguém nem seguiu os caminhos formais, quanto no conteúdo, porque é um desastre. Não existe possibilidade de fazer reparo nessa reforma, não existe possibilidade de negociação”, criticou, veemente, e defendeu o modelo atual: “Eu garanto a vocês, o que nós temos hoje no Brasil é o melhor modelo que existe no mundo. Não existe outro caso de um sistema tão amplo, que atenda regiões tão desiguais, com tantas variações internas, e que funcione tão bem. Ela é o resultado exclusivo das lutas dos trabalhadores ao longo do tempo, e não é um modelo quebrado nem falido”.
Gabas admitiu os problemas de sustentabilidade da Previdência, mas apontou que a reforma proposta não resolve nenhum dos problemas atuais – muito pelo contrário. “O que ele faz é erguer um muro que afasta 90% da população da possibilidade de aposentadoria, e que iguala pessoas em situações absolutamente desiguais. Pior ainda, faz isso em cima de uma projeção econômica impossível de ser confirmada, que quer dizer como vai estar o estado da economia daqui a 40 anos”.
O argumento central de defesa da Previdência, para Gabas, é menos econômico e mais ideológico: para que serve o Estado, afinal? “Nós vemos a Previdência como um meio de proteção social, cujo princípio é o de um governo que existe para proteger seu povo. Se o orçamento não consegue resolver isso, então que se mude o orçamento, porque não se pode encarar a aposentadoria como um problema financeiro. O objetivo tem que ser melhorar a qualidade de vida da população”, argumentou, e concluiu: “Dizer que existe o déficit e decidir pelo corte é um desculpa, é jogar no colo do trabalhador a responsabilidade pelo equilíbrio fiscal de um país muito desigual. A gente trabalhou muito para chegar aqui, e agora vem essa turma e, numa tacada só, tenta desfazer tudo isso, rompe nossa democracia, desmonta nossas proteções, tenta destruir o sistema de proteção social – não tem como aceitar. Nós estamos do lado certo da História aqui, mesmo que a luta seja brutal e injusta”.
Todos os discursos foram gravados na íntegra e em alta qualidade, e poderão ser reassistidos a partir da semana que vem no canal do YouTube da Fundação Maurício Grabois.
Por Renato Bazan – Portal CTB