Por Marcos Aurélio Ruy
Não é novidade que o Carnaval é a festa mais popular do país. Leva multidões às ruas, atrai turistas do mundo inteiro, movimenta bilhões de reais, emprega muita gente. Somente em São Paulo são quase mil blocos fazendo a alegria dos foliões pelas ruas da metrópole. No Rio de Janeiro, além dos desfiles das escolas de samba, as ruas ficam superlotadas com as centenas de blocos.
Salvador, Olinda e Recife levam multidões às ruas numa festa sem paralelo. Multidões lotam as ruas do país inteiro, mas o machismo estraga a festa de muitas foliãs. Por isso, ganha força no movimento feminista a campanha Não é Não contra o assédio sexual, abuso que cresce durante o período da maior festa popular do país.
A campanha que começou em 2017, neste ano atinge 15 estados e distribui tatuagens temporárias paras as mulheres e meninas com os dizeres Não É Não. “É incrível que em pleno século 21, as mulheres tenham que fazer campanhas para ensinar aos homens como nos respeitar”, afirma Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Maria das Neves, da União Brasileira de Mulheres, afirma que “diversos movimentos feministas e o poder público fortalecem a campanha Não é Não, que vem se popularizando a cada ano”. Ela explica que “através de estandartes, adesivos, tiaras as mulheres têm inovado para chamar atenção para a campanha. Precisamos desnaturalizar o assédio”, acentua. É preciso entender que “depois do não tudo é assédio”.
O Carnaval é um bom momento para a mídia participar de campanhas contra o assédio, diz Celina, porque “multidões saem às ruas para festejar com irreverência e alegria e para a festa ser completa, precisamos denunciar a cultura do estupro e mostrar aos homens que as mulheres querem cair na folia com respeito e sem nenhum tipo de discriminação”.
O Não é Não “é uma campanha que veio para mostrar aos homens que temos o direito de ocupar os espaços que queremos e que a nossa roupa não é convite para nada, não é permitido tocar nenhuma pessoa sem a permissão dela”, diz Kátia Branco, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB-RJ.
Na visão de Celina, a festa de Momo é importante para empoderar o “debate sobre a violência crescente contra as mulheres”. E para isso, acentua, “a mídia poderia cumprir o papel de elevar o nível do debate e contribuir para o combate à cultura do estupro e da objetificação da mulher, mas não o fazem por interesses comerciais e por se afinarem com o patriarcalismo”.
Neste ano, a prefeitura de Recife lança o Pequeno Manual Prático De Como Não ser um Babaca no Carnaval, com participação da cantora Gretchen. O manual ensina os homens a paquerar sem agredir e respeitar o não. O governo da Bahia leva o ano inteiro a campanha Respeita as Minas para tentar mostrar aos homens onde termina a paquera e começa o assédio.
Veja o vídeo do manual para não ser babaca no Carnaval
Maria das Neves explica que as feministas desenvolvem campanhas o ano todo, mas “no Carnaval se intensificam por ser um período de grande ocorrência de casos de assédio”. Ela cita os abusos mais comuns. “Beijo forçado e puxão pelo braço são exemplos de comportamentos masculinos durante o Carnaval”.
Isso porque, “o machismo é um ciclo vicioso que foi estruturante na construção da sociedade violenta que temos hoje”, portanto, “precisamos reeducar nossa sociedade, e o Estado deve fazer parte dessa educação com campanhas contra o assédio em vez de fazer campanhas de abstinência sexual” reforça Gicélia Bitencourt, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB-SP.
De acordo com Denise Mota Dau, secretária Sub-Regional da Internacional de Serviços Públicos ISP e secretária Municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, na gestão de Fernando Haddad, a intensificação de campanhas contra o assédio e pela igualdade de gênero são fundamentais para o processo civilizatório do país.
Infelizmente, reforça Denise, “ainda é necessário a implantação de campanhas para prevenir o assédio sexual”. Porque “os homens não aceitam com naturalidade o não da mulher”. Isso acontece porque “o inconformismo está no fato de que a cultura fomentada dentro das relações sociais de gênero impôs historicamente a maléfica visão de inferioridade da mulher”. Portanto ela deveria se sentir bem “e corresponder automaticamente à investida masculina, até porque neste equivocado pensamento a mulher está subordinada à vontade do homem”.
Ouça a paródia do frevo Vassourinhas, de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos, feita por de Laianna Janu
“Infelizmente a cultura machista permanece forte em nossa sociedade”, reforça Luiza Bezerra, secretária da Juventude Trabalhadora da CTB. “A ideia da mulher como objeto, devendo estar disponível para o prazer exclusivo do homem segue no imaginário social. Ao mesmo tempo, confunde-se liberdade sexual feminina com uma obrigação de sempre dizer sim”, acentua.
Mas é preciso a compreensão de que “nós mulheres temos o direito de nos divertir, paquerar e vestir a roupa que quisermos sem que isso dê a quem quer que seja o direito de nos assediar. Nós sabemos muito bem a diferença da paquera saudável do assédio sexual que é um ultraje a toda mulher”, garante Regina Zagretti, secretária da Mulher da União Geral dos Trabalhadores (UGT) Nacional.
Regina assegura ainda que “nós que militamos no mundo do trabalho, sindicatos e centrais de trabalhadores, travamos intensa luta contra o assédio moral e sexual no trabalho e isso também precisa ser divulgado o ano todo”.
O problema, sinaliza Antonieta Dorledo de Faria, secretária Nacional das Mulheres da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) é que “as campanhas não são feitas como deveriam e a violência cresce dia a dia, o número de feminicídios está galopante e a impunidade leva os homens a agir com mais violência e despudor”.
Enquanto, Ruth Coelho Monteiro, secretária Nacional de Direitos Humanos e Cidadania da Força Sindical, acredita que “várias campanhas têm sido feitas por organizações de mulheres e de direitos humanos para que haja respeito à vontade e à integridade das mulheres durante a folia do Carnaval e em algumas outras datas”. Mas, “a educação seria o método mais eficaz, desde criança para o respeito ao outro ser humano, principalmente no caso das mulheres que ainda são vistas por grande parte dos homens como um corpo a ser possuído”.
“Desde pequenas temos que lutar por igualdade e liberdade” porque “os meninos podem tudo e nós temos que cuidar de tarefas domésticas e ser obedientes”, afirma Santa Alves, secretária de Combate Racismo da CTB-DF e secretária nacional de Mulheres da União de Negros pela Liberdade (Unegro).
Para ela, no Carnaval essa discriminação fica à flor da pele porque “os homens se acham no direito de abusar das meninas e das mulheres que saem às ruas para brincar o Carnaval sem serem importunadas”.
Então, participe da folia sem estragar a festa de ninguém. “Respeitar as pessoas é a nova palavra de ordem para o ano inteiro”, conclui Celina.
Denise afirma que “o assédio acontece todos os dias seja no ambiente de trabalho, nas ruas, nos bares, nos ônibus, trens e até nos transportes por aplicativos, enfim nos espaços públicos em que as mulheres transitam, como se a elas não fosse dado o direito de lá estar”, então são forçadas a “aguentar a violência psicológica e as vezes até física do assédio”.
Então, participe da folia sem estragar a festa de ninguém. “Respeitar as pessoas é a nova palavra de ordem para o ano inteiro”, conclui Celina. Denise emenda: “Quem sabe um dia, não precisaremos mais lançar mão de campanhas e manuais ensinando aos homens assediadores como não ser um babaca no Carnaval e na vida”.
Como canta Chico Buarque “no Carnaval esperança. Que gente longe viva na lembrança. Que gente triste possa entrar na dança. Que gente grande saiba ser criança”. Neste Carnaval não seja babaca e respeite as minas e os LGBTs e leve essa lição para o resto da vida.