Lutar pelos direitos da mulher significa defender a humanidade do ódio

Por Marcos Aurélio Ruy

Em mais de 150 países começa nesta segunda-feira (25) a campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres. No Brasil o início de dá mais cedo por causa do Dia da Consciência Negra (20 de novembro) totalizando 21 dias de mobilizações e manifestações para chamar atenção da sociedade para o fato de o país ser o quinto país que mais mata mulheres no mundo, desde 2003.

O movimento existe desde 1991, criado pelo Centro de Liderança Global de Mulheres, com imediata adesão da Organização das Nações Unidas ( ONU) . As manifestações ocorrem até 10 de dezembro – Dia Internacional dos Direitos Humanos.

“Toda campanha que vise a mobilização das mulheres para lutar pelos seus direitos é fundamental”, afirma Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Para ela, “a violência está de uma tal forma que nós não suportamos mais. Precisamos gritar e nos impor para sermos respeitadas como donas de nós mesmas. A união de todos os movimentos sociais progressistas e democráticos, das feministas, das centrais sindicais e dos partidos políticos democráticos é o começo para combatermos a cultura da violência.”

A data é uma homenagem às irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas” e assassinadas em 1960 por fazerem oposição ao governo do ditador Rafael Trujillo, que presidiu a República Dominicana de 1930 a 1961, quando foi deposto, conta a Agência Senado.

Vídeo da ONU Brasil; assista

Brasil é o quinto mais violento contra as mulheres

No Brasil, somente em 2017, de acordo com o Atlas da Violência 2019, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, foram assassinadas 4.936 mulheres, 13 por dia. A maioria foi morta pelo cônjuge ou ex-cônjuge.

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, uma pesquisa deste ano dos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão mostra que 97% das mulheres com mais de 18 anos já sofreram assédio sexual no transporte público, por aplicativo ou em táxi.

“Parte dos homens agem como se fossem donos dos nossos corpos e não têm o mínimo respeito, se aproveitando de situações em que temos dificuldade de nos defender”, afirma Kátia Branco, secretária da Mulher da CTB-RJ. “É necessário respeitar as mulheres como seres humanas que somos.”

Como uma das maneiras para combater a violência e o abuso sexual contra as mulheres foi criado em 2005, o Ligue 180, por ele milhares de denúncias são feitas todos os dias.  Somente em 2018, foram 62.485 denúncias de violência doméstica, ou 67% de todos os registros do ano.

E a violência doméstica não para de crescer, o Ligue 180 já recebeu 35.769 ligações sobre esse item somente no primeiro semestre deste ano. “Somente com um amplo trabalho de mobilização de toda a sociedade envolvendo as escolas e a mídia para acabar com essa violência”, realça Kátia. As denúncias de tentativa de feminicídio também cresceram assustadoramente. No primeiro semestre de 2018 foram registradas 512 denúncias, neste ano já foram 2.688.

Estudo do Ipea mostra que ter independência econômica não livra as mulheres da violência. O levantamento aponta que 52,2% das mulheres que trabalham fora de casa sofrem violência enquanto as que não estão no mercado de trabalho 24,9% são vítimas.

“Talvez porque a presença feminina no mercado de trabalho constrange o sentimento machista e de posse dos homens que reagem violentamente porque a vida toda têm sido educados para agir dessa maneira com as mulheres”, reforça Kátia.

Mercado de trabalho

Kátia diz também que a condição feminina no mercado de trabalho e não é anda alentadora. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) comprova a preocupação da sindicalista. A OIT mostra que de 1991 a 2018, a probabilidade de uma mulher trabalhar fora foi 26% inferior que a de um homem.

No Brasil, de acordo com o estudo, as desvantagens salariais são gritantes entre os sexos e podem chegar a 53% de diferença em favor dos homens. Na média, mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, as mulheres ganham quase 30% a menos que os homens em mesmas funções.

A OIT comprova ainda que o mercado de trabalho não gosta das mães Os dados mostram que mulheres com filhos de até 6 anos ocupam 25% dos cargos de gerência, enquanto as que não têm filhos pequenos ocupam 31% dos cargos de gerência.

“De qualquer forma número muito inferior aos homens”, assinala Gicélia Bitencourt, secretária da Mulher da CTB-SP. Além disso, diz ela, “as mulheres são as primeiras a serem demitidas e as últimas a serem realocadas, se tiver filho pequeno então, sem chance”.

Para ela, há necessidade de mais mulheres na política, já que pouco mais de 10% compõem o Parlamento brasileiro e atualmente o país conta com apenas uma governadora. “No ano que vem temos mais uma chance de elegermos vereadoras e prefeitas para a nossa dura realidade ganhar um reforço na luta por igualdade de direitos.”

Relatório da OIT afirma que “a Islândia é o único que alcançou plena paridade nas oportunidades de trabalho para homens e mulheres, mas ainda não conseguiu igualdade de remunerações”.

Gicélia afirma a necessidade de políticas públicas de fomento à contratação de mulheres. “As empresas não toma a iniciativa por si mesmas. Por isso, tem que serem criadas políticas de Estado que garantam a paridade dos salários e das contratações, assim como o empoderamento nos cargos de direção.”

Lei Maria da Penha

Apesar de existir desde 2006, a Lei Maria da Penha ainda não está concretizada em todo o país, “e após o golpe de Estado de 2016, a situação só piora”, conta Celina. Ela se refere a que em 2018 apenas 2,4% dos municípios brasileiros contavam com casas-abrigo de gestão municipal para mulheres em situação de violência. Apenas nove municípios com até 20 mil habitantes possuíam casas-abrigo em 2018, num total de 3.808 municípios.

Leia Maria da Penha, de Luana Hansen e Drika Ferreira

O trabalho do Ipea afirma que “na relação entre a vítima e o perpetrador, 32,2% dos atos são realizados por pessoas conhecidas, 29,1% por pessoa desconhecida e 25,9% pelo cônjuge ou ex-cônjuge. Com relação à procura pela polícia após a agressão, muitas mulheres não fazem a denúncia por medo de retaliação ou impunidade: 22,1% delas recorrem à polícia, enquanto 20,8% não registram queixa”.

“O que esperar de um país em que a cada dois minutos, uma mulher é vítima de violência doméstica?”, questiona Celina. “O peso da luta está sob nossos ombros e continuaremos fortes, unidas e mobilizadas para derrotarmos a cultura do ódio, da violência do estupro.”

Aliás, o 13º Anuário de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública traz mais de 66 mil estupros registrados no país em 2018, sendo que 53,8% das vítimas tinha até 13 anos e para piorar a maioria dos crimes ocorreu dentro de casa.

Por isso, “reafirmo a importância de campanhas como os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, mas precisamos criar um movimento global permanente. Diversos movimentos têm levado milhares de mulheres às ruas pela igualdade de gênero e por respeito às nossas vidas. Queremos viver plenas e sem medo”, conclui Celina. Para isso, “precisamos de mais mulheres nas instâncias de poder.”