“Ideologia do perdão” faz evangélicas se calarem sobre violência doméstica

Por Marcos Aurélio Ruy. Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Reportagem do UOL divulga a criação de um grupo de trabalho composto por 20 mulheres entre pastoras e líderes evangélicas do Espírito Santo, com objetivo de debater dentro das igrejas a violência doméstica e de gênero, que atinge boa parte dos lares evangélicos.

“Muito importante a criação desse grupo de evangélicas, principalmente no momento em que vivemos no país de crescimento avassalador da violência de gênero e doméstica como mostra o 13º Anuário de Segurança Pública (do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e de forte divulgação do pensamento reacionário de grupos religiosos fundamentalistas”, diz Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Celina cita o crescimento de 4% dos feminicídios e dos estupros registrados em 2018, em relação aos ocorridos em 2017. Além do mais, “comprovou-se mais uma vez que a maioria das violências acontece dentro de casa e sobre os estupros mais da metade das vítimas têm menos de 13 anos”.

O livro “A Igreja Sem Voz – Análise de Gênero e Violência Doméstica Entre as Mulheres Evangélicas”, da teóloga Valéria Cristina Vilhena, de 2016, provocou a formação desse grupo. A autora afirma que em seus estudos na Casa Sofia – que acolhe vítimas de violência doméstica e de gênero em São Paulo – 40% das vítimas se identificaram como evangélicas.

Valéria faz uma ressalva porque ela aferiu esses 40% em seus estudos, mas de acordo com ela, esse “número pode ser maior” porque “a cada 4 minutos uma mulher é agredida no Brasil e não se sabe ao certo quantas são evangélicas”.

A criação do grupo se baseia em números sobre o crescimento da população evangélica no país. Pelo Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de cristãos evangélicos cresceu 61% em 10 anos, em 42.310.000 se declararam evangélicos no país. Atualmente estima-se que já representem 30% da população.

Para Andreia Bolzan, líder de célula da Igreja Batista Evangélica Vitória do Espírito Santo, “É preciso discutir” a violência de gênero “no âmbito religioso porque muitas vezes esses temas são tabus e a negação de qualquer assunto impossibilita o tratamento”.

Ela explica ainda que o objetivo do grupo é levar informação para o maior número possível de evangélicos. Valéria relata a dificuldade de enfrentar o problema porque predomina nas igrejas evangélicas a “ideologia do perdão”. E o objetivo do grupo é desconstruir esse pensamento. “O propósito é conscientizar todos os envolvidos nesse tipo de situação: as vítimas, o agressor e os filhos”, afirma.

Em entrevista ao UOL sobre o seu livro, Valéria reforça a existência dessa “ideologia do perdão” e da culpabilização da vítima. Ela conta o que disse uma mulher que abandonou os seus relatos e o atendimento da Casa Sofia alegando que “eu sofro violência, mas ele também é meu pastor, ele é a voz de Deus na minha vida”.

A teóloga assinala também os conselhos de um pastor, relatados por vítimas de violência doméstica, que se definem como evangélicas: “Seja sábia, fique calada, não enfrente”. Além do que a “teologia passada é a da obediência ao marido”, diz Valéria.

Mas Andreia afirma que o grupo se propõe exatamente a discutir essas questões e enfatizar a necessidade de se combater a cultura do estupro e de se propagar a cultura da paz. “O papel da igreja, assim como o de qualquer grupo social é o de proteger as vítimas, de trazer a consequência para o abusador, de educar os homens”.

Celina conta que na CTB existem muitas evangélicas e evangélicos o que “nos leva a apoiar os objetivos desse grupo e de levar esse debate para as nossas seções estaduais e para todos os sindicatos filiados à nossa central. É fundamental discutir a violência contra as mulheres, inclusive dentro das igrejas”.