É preciso conter a violência de gênero com política de Estado e com educação

Por Marcos Aurélio Ruy. Foto do destaque: Felipe Carneiro

O Ministério da Justiça e Segurança Pública baixou a Portaria 340, na segunda-feira (22) para criar um “Protocolo Nacional de Investigação e Perícias nos Crimes de Feminicídio”. Portaria que já nasce inócua.

“O que o país precisa é implantar todos os mecanismos necessários para a aplicação das leis já existentes, que são suficientes para atender às necessidades de combate à violência contra as mulheres e aos feminicídios praticados em grande parte dentro de casa”, afirma Celina Arês, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Para referendar a proposta de fortalecimento da legislação existente e a necessidade de mais delegacias da mulher funcionando digitalmente e o dia todo neste período de isolamento social por causa da pandemia do coronavírus, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) criou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar essa portaria.

Conheça o PDL na íntegra aqui.

“Um tema mais do que relevante é tratado em Portaria de maneira obscura e seu art. 2º, além de inconstitucional”, afirma a deputada e é contrário “a compromissos internacionais firmados pelo Brasil” porque “o citado dispositivo determina que o acesso ao Protocolo será restrito às polícias civis e aos órgãos de perícia oficial de natureza criminal” além de conferir “caráter sigiloso ao documento”.

Celina lembra da Lei Maria da Penha (11.340/2006) e da Lei do Feminicídio (13.104/2015), que sem bem aplicadas, “garantem a proteção das vítimas e punição aos algozes”. Para ela, “é preciso ter como política de Estado a proteção aos direitos das mulheres e da população LGBT”, além da intensificação de uma “política de segurança que garanta e respeite a vida de todas as pessoas”.

Isso porque, pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que a cada dois minutos, uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil e 180 são vítimas de estupro, sendo a maioria com até 13 anos, além da maior parte das violências ocorrem dentro de casa por parentes das vítimas. Isso antes da pandemia.

Atente para as falhas da Portaria 340 aqui.

Os números já são assustadores. “Os índices desses crimes superam a violência de guerras civis de diversos países”, alega Celina. Então, “é fundamental conter essa violência com a melhoria das medidas de acolhimento e de proteção das vítimas e mais rigor na punição dos agressores”, defende Berenice Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

“Estatísticas comprovam o crescimento da violência contra as mulheres durante a pandemia, o que comprova a necessidade de trabalhos a nível nacional envolvendo toda a sociedade sobre a discussão das questões de gênero e do imprescindível respeito a todas as pessoas como conduta de vida”, reforça Berenice.

O número de feminicídios que já é alto cresceu 22,2% no período de isolamento, destaca o relatório “Violência Doméstica durante a pandemia de Covid-19”, do Banco Mundial e do FBSP.

Por isso, explica Jandira, “não há justificativa ou fundamento para tal Portaria” porque “o país já tem instrumentos, que, com mais transparência e profundidade, permitem que avancemos na investigação para processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres”.

Protesto em Brasília contra o alto número de feminicídios, em 2019. Foto: Lula Marques

Celina reafirma a importância de organização e mobilização do movimento feminista com ampla participação dos movimentos sociais e sindical como “forma de fortalecimento da resistência à ideologia patriarcal que naturaliza a violência de gênero como conduta humana”, quando na realidade, “as mulheres lutam por igualdade de direitos e para serem respeitadas como sujeitas da história e donas de seus corpos e de suas vidas”.