Seção de Dissídios Coletivos destina multas de sindicatos de trabalhadores ao patronal

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

A Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (SDC-TST) — composta por 9 ministros —, a quem cabe processar e julgar, originariamente e/ou em grau de recursos, os dissídios coletivos de natureza econômica (cláusulas sociais e reajustes salariais), de natureza jurídica (interpretação de normas coletivas) e dissídio de greve (legalidade e abusividade de suspensão de atividades laborais), no julgamento dos processos RO 10492-52-2017.5.03.0000 (setembro de 2018), RO 10493-37.2017.5.03.0000 (outubro de 2018) e 8-53.2017.5.11.0000 (setembro de 2019), todos versando sobre greves em transporte coletivo, os dois primeiros de Minas Gerais e o último de Manaus, fixou o surreal entendimento de que as multas aplicadas aos sindicatos de trabalhadores em dissídios de greves devem ser revertidas aos respectivos sindicatos de empregadores.

Esse entendimento, fixado a pretexto de dar cumprimento ao disposto no Art. 537 do Código de Processo Civil (CPC) — que destina a astreinte (multa diária) ao exequente —, a um só tempo escarnece do direito de greve, assegurado pelo Art. 9º da CF, pune a sociedade e premia os sindicatos patronais, que tratam com absoluto descaso as negociações coletivas.

Nos casos de greves em atividades essenciais, como o transporte coletivo, antes mesmo de sua deflagração, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ou o próprio sindicato patronal ajuízam o dissídio de greve, postulando a declaração de sua abusividade (ilegalidade), a fixação de percentual mínimo de trabalhadores que não pode aderir à paralisação das atividades — em regra, de 70% a 80% no transporte coletivo — e o estabelecimento de multa diária para a eventual hipótese de descumprimento da decisão judicial que for liminarmente baixada; decisão que nunca falta.

Como bem registrou o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (Amazonas e Roraima) no Processo RO 8-53.2017.5.11.0000, as multas por descumprimento de decisão judicial “não têm apenas caráter punitivo-financeiro, mas constituem forma de ressarcimento do dano à coletividade”.

Pois bem. Nos três casos sob destaque, a coletividade ficou sem transporte coletivo, posto que em nenhum deles o percentual mínimo de trabalhadores, fixado pelos respectivos tribunais, que deveria manter as atividades de transporte coletivo foi observado; os sindicatos dos trabalhadores foram multados; mas quem se beneficiou das multas, que deveria ser ressarcida à coletividade, foram os sindicatos patronais.

Ao aplicar cegamente o preceito do Art. 537 do CPC nos três casos, sem sequer sopesar as consequências sociais que decorrerão de suas decisões, a SDC, além de agir como o filósofo que, preocupado com a árvore, despreza o bosque que a circunda — parafraseando George Pulitzer —, fez tábula rasa do Art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que determina: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”; bem assim, abriu largos à já quase sistemática prática antissindical dos sindicatos patronais, marcada pelo desprezo às reivindicações dos trabalhadores e/ou pela simples recusa à negociação coletiva.

Na crescente cruzada de desmonte da ordem democrática, com frontais e cotidianos ataques aos direitos fundamentais sociais, a SDC responde presente e atuante.

A título de ilustração, transcrevem-se excertos da fundamentação do ministro relator do Processo RO 8-53.2017.5.11.0000, Ives Gandra Martins, não sem razão integrante do Grupo de Altos Estudos Trabalhistas (Gaet), que tem por escopo a destruição do que sobrou da CLT e das organizações sindicais dos trabalhadores:

“II) RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO SINDICATO PATRONAL – ABUSIVIDADE DA GREVE – APLICAÇÃO DE MULTA AO SINDICATO OBREIRO POR DESCUMPRIMENTO DA LIMINAR DEFERIDA PELO REGIONAL – DESTINAÇÃO DA MULTA AO EXEQUENTE (CPC, ARTS. 536 E 537) – PROVIMENTO. 1. Nos termos do art. 537, § 2º, do CPC, a multa aplicada à parte pelo descumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer será destinada ao Exequente. 2. In casu, o 11º Regional, em face do descumprimento da liminar, condenou o Sindicato obreiro ao pagamento de multa em favor das instituições Lar Batista Jannel Doyle, O Coração do Pai, Casa da Criança, Inspetoria Laura Vicuña e Lar das Marias. 3. Oportuno assinalar que, muito embora seja louvável a destinação da multa para instituições beneficentes, tal determinação vai de encontro ao disposto expressamente no art. 537, § 2º, do CPC, na medida em que possibilita ao juízo a discricionariedade quanto à destinação da multa, a seu livre arbítrio e conforme os próprios parâmetros, o que refoge ao critério objetivo fixado na lei processual civil. 4. Assim, o apelo merece provimento para determinar que o valor total da multa, em face do descumprimento da liminar, seja revertida ao Exequente, no caso, o Sindicato patronal, a teor do art. 537, § 2º, do CPC. Recurso ordinário adesivo provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-8-53.2017.5.11.0000, em que são Recorrentes e Recorridos SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTE RODOVIÁRIO E URBANO COLETIVO DE MANAUS E NO AMAZONAS – STTRM e SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DO ESTADO DO AMAZONAS – SINETRAM.

B) RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO SINDICATO PATRONAL I) CONHECIMENTO O recurso ordinário adesivo é tempestivo (págs. 678 e 686) e tem representação regular (pág. 27), razão pela qual dele CONHEÇO.

II) FUNDAMENTAÇÃO DESTINAÇÃO DA MULTA – ABUSIVIDADE DA GREVE – DESCUMPRIMENTO DA LIMINAR O 11º Regional, em face do descumprimento da liminar, condenou o Sindicato obreiro ao pagamento de multa ‘em favor das instituições LAR BATISTA JANNEL DOYLE, O CORAÇÃO DO PAI, CASA DA CRIANÇA, INSPETORIA LAURA VICUÑA e LAR DAS MARIAS’ (cfr. pág. 614). Em seu apelo, sustenta o Sindicato patronal que o valor da multa lhe seja destinado, nos termos do art. 537, § 2º, do CPC, e não às instituições beneficentes como determinado no decisum (págs. 686-691).

[…]

Oportuno assinalar que, muito embora seja louvável a destinação da multa para instituições beneficentes, tal determinação vai de encontro ao disposto expressamente no art. 537, § 2º, do CPC, na medida em que possibilita ao juízo a discricionariedade quanto à destinação da multa, a seu livre arbítrio e conforme os próprios parâmetros, o que refoge ao critério objetivo fixado na lei processual civil. Nesse sentido, seguem os precedentes da SDC desta Corte no tocante à destinação da multa, verbis: ‘[…] ASTREINTES. DESTINAÇÃO. De acordo com § 2º do art. 537 do CPC, a destinação dos créditos resultantes da incidência das astreintes deverá ser revertida ao exequente. Recurso ordinário a que se dá provimento” (TST-RO-10493-37.2017.5.03.0000, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT de 21/09/18). “[…] RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS METROPOLITANO. ASTREINTES – DESTINAÇÃO. De acordo com § 2º do art. 537 do CPC, a destinação dos créditos resultantes da incidência das astreintes deverá ser revertida ao exequente. Recurso ordinário a que se dá provimento” (TST-RO-10492-52.2017.5.03.0000, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT de 26/10/18).

Assim, DOU PROVIMENTO ao recurso ordinário adesivo para determinar que o valor total da multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), decorrente da abusividade da greve, seja revertida ao Exequente, no caso, o Sindicato patronal, nos termos do art. 537, § 2º, do CPC.

ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho: I – por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Mauricio Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda, indeferir o pedido de gratuidade de justiça formulado pelo Sindicato obreiro no presente apelo; II – por unanimidade, declarar prejudicada a preliminar de nulidade do julgado, nos termos do art. 282, § 2º, do CPC; III – por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso ordinário, para declarar a abusividade da greve apenas no dia 17 de janeiro de 2017, reduzir o valor da multa por descumprimento da liminar para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e excluir a condenação alusiva aos honorários advocatícios; IV – por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Mauricio Godinho Delgado e Lelio Bentes Corrêa, dar provimento ao recurso ordinário adesivo para determinar que o valor total da multa, em face do descumprimento da liminar, seja revertida ao Exequente, no caso, o Sindicato patronal, nos termos do art. 537, § 2º, do CPC.

Brasília, 09 de setembro de 2019.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO Ministro Relator”

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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