Trabalho escravo ainda é uma triste realidade no capitalismo brasileiro

O trabalho escravo ainda é uma triste realidade vivida por muitas pessoas pelo mundo, principalmente no Brasil. Para denunciar esta prática, uma herança maldita dos sombrios tempos da Casa Branca e Senzala que viola nossa Constituição, e intensificar a luta por sua abolição é que foi instituído o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, 28 de janeiro, ou seja, esta quinta-feira.

De acordo com os dados da SIT (Subsecretaria de Inspeção do Trabalho), do Ministério da Economia, 55.004 trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão entre 1995 e junho de 2020. A partir do trabalho de fiscalização, as vítimas receberam mais de R$ 108 milhões referentes a títulos verbais salariais e rescisórias. 

Somente no primeiro semestre de 2020, em meio à pandemia de Covid-19, foram realizadas 45 ações fiscais em todo o país, com o resgate de 231 pessoas. Os negros ainda são os mais afetados pelo trabalho escravo no Brasil. Pretos e pardos corresponderam a 82% dos 2,4 mil trabalhadores que receberam seguro-desemprego após o resgate entre 2016 e 2018. A cada cinco pessoas resgatadas em situação análoga à escravidão, quatro eram negros.

Impunidade

Vale ressaltar que a data tem também o propósito de relembrar o brutal assassinato de auditores fiscais e um motorista em Unaí, Minas Gerais, em 2004, enquanto trabalhavam na descoberta e fiscalização de práticas criminosas de relações de trabalho. 

O trabalho análogo ao escravo é obra de setores das classes dominantes brasileiras, ligadas em especial aos ruralistas, que têm grande força e influência política e social, sobretudo no obscuro Poder Judiciário. No Palácio têm em Bolsonaro um fiel aliado. No Congresso Nacional, respaldados pelas bancadas do boi e da bala, conseguem derrotar todas as iniciativas de parlamentares progressistas que visam endurecer a legislação e desapropriar propriedades flagradas com trabalho escravo.

Também contam com a corrupção e a morosidade da Justiça para não pagar pelos crimes que cometem. A impunidade de executores e mandantes dos assassinatos infames em Unaí é um exemplo odioso disto.

Exatos 17 anos, 6.210 dias e 149.040 horas de impunidade, dor e revolta. “É um vazio e uma injustiça tão grandes que não consigo descrever. Foi um crime brutal e uma violência tão pesada que deixou uma marca que jamais será esquecida. Penso no meu marido morto todos os dias”.

O depoimento é da professora Marinês Lima de Laia, de 53 anos, uma das viúvas da Chacina de Unaí. O marido dela, Eratóstenes de Almeida Gonsalves, trabalhava como auditor fiscal do Ministério do Trabalho e foi executado com vários tiros, juntamente com os também auditores, Nélson José da Silva e João Batista Soares Lage, e o motorista Aílton Pereira. No dia do crime, eles investigavam denúncias de trabalho escravo no município que fica na região Noroeste de Minas.

Até quando?

A cada ano que se completa de impunidade, a secretária Helba Soares da Silva, esposa do auditor Nelson José da Silva – principal alvo dos criminosos – costuma se queixar às pessoas próximas “Até quando vamos esperar justiça?”. Ela ainda vive em Unaí, onde moram os mentores da chacina.

Mandante confesso do crime e condenado a 65 anos, 7 meses e 15 dias de prisão, o fazendeiro Norberto Mânica ainda aguarda trâmites jurídicos para cumprir a pena. Além dele, outros cinco condenados estão soltos, seja esperando decisão da Justiça para executar a sentença, em liberdade domiciliar ou em regime aberto. Um dos réus morreu, outro teve a pena prescrita e apenas um dos executores dorme na prisão, mas tem autorização para sair durante o dia.

Apontado por ter orquestrado os assassinatos, o ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica, também chegou a ser condenado a 100 anos de prisão, em primeira instância, pelo crime. No entanto, a Justiça anulou a decisão e determinou a realização de um novo julgamento. “Quem perdeu foi só a gente, os familiares das vítimas. Para eles, continua tudo normal, a vida segue sem punição. Nada traria o meu marido e os colegas dele de volta, mas seria um alento se a Justiça fosse feita”, declarou a viúva Marinês.

Vergonhoso, imoral, indecente

Por causa do crime que chocou o país em 2004, 28 de janeiro foi instituído como Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo. A data simbólica, contudo, expõe a morosidade da Justiça para punir este tipo de crime no Brasil. Presidente da Delegacia Sindical de Minas Gerais do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Ivone Corgozinho descreve como “vergonhoso, imoral e indecente” nenhum dos envolvidos na chacina estarem de presos. “A impunidade, principalmente dos mandantes, é bárbara. Não foi um crime contra pessoas, foi um crime contra o Estado. E nem assim existe punição”, esbravejou.

Defesa

Procurada pela reportagem de O Tempo, a Justiça Federal não informou quando o processo terá andamento – o que poderia determinar a prisão de pelo menos três dos acusados de ordenar a chacina. Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que representa Norberto, disse que acompanha os ritos processuais. 

“Fiz toda a defesa alegando que ele era inocente. Sempre confiei nele e as provas reforçavam isso. Mas, posteriormente, ele resolveu dizer que não queria prejudicar a família e contou outra história. Então, não tem o que se manifestar, apenas aguardar”, pontuou Kakay.

O advogado explica que, em 2018, o fazendeiro assumiu, em documento registrado em cartório, que era ele o mandante do crime, eximindo Antério de qualquer relação com a chacina. O advogado Marcelo Leonardo, defensor de Antério, também sustenta a inocência de seu cliente. 

Segundo ele, o nome do ex-prefeito não foi indiciado pela Polícia Federal nem denunciado pelo Ministério Público Federal no início das investigações. “Posteriormente, no meio do processo, teve um aditamento que o incluiu. Ele foi julgado e condenado. O processo foi para apelação e o tribunal entendeu que ele era inocente. Hoje ele é uma pessoa inocente, mas será submetido a outro julgamento que ainda não tem data”, informa Marcelo Leonardo.

Sentenciado a 31 anos por orquestrar o crime, Hugo Alves Pimenta, representado por Lúcio Adolfo, optou por não se pronunciar sobre o caso.

Envolvidos na Chacina de Unaí:

Acusados de executar  o crime

• Rogério Alan Rocha Rios – condenado a 94 anos de prisão. Cumpre a pena em regime aberto;
• Erinaldo de Vasconcelos Silva – condenado a 76 anos de prisão. Cumpre a pena em regime semiaberto mas, por causa da pandemia, foi para a prisão domiciliar;
• William Gomes de Miranda – condenado a 56 anos de prisão. Cumpre pena em regime semiaberto.

Acusados de contratar os matadores: 

• Francisco Elder Pinheiro – morreu em 2013 sem ser julgado;
• Humberto Ribeiro dos Santos – teve a pena prescrita.

Acusados de orquestrar a chacina (todos aguardam recursos judiciais e estão soltos):

• Norberto Mânica – condenado a 65 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão;
• José Alberto de Castro – condenado a 58 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão;
• Hugo Alves Pimenta – condenado a 31 anos e 6 meses de reclusão;
• Antério Mânica – chegou a ser condenado a 100 anos de prisão, mas teve o julgamento anulado.

Com informações dos Sindicato dos Bancários da Bahia e do jornal O tempo