Evaldo Costa: Covardes, incompetentes e desonestos

A palavra “golpe” se alastra como um vírus modificado geneticamente pelo imaginário brasileiro. Uma turma saudosista de um passado do qual devemos ter, como queria Ulysses, ódio e nojo, sonha com a oportunidade de golpear o sistema político, subverter as regras e tomar o poder pelas armas. E, no que parecia impensável há pouco tempo, tramam para instalar uma ditadura, em pleno século 21, como se um país complexo com o Brasil pudesse ser transformado em uma república bananeira da América Central do século 20. Sonho, para eles, pesadelo para quem não mora no atraso, este golpe, obviamente, não tem a menor possibilidade de se consumar, embora não seja difícil imaginar a tentativa de uma minoria histérica – sim, os fascistas são poucos, mas barulhentos! – que, mesmo se dando mal, causariam danos ao país numa dimensão que não vale a pena especular. Não passarão!

Por outro lado, há uma legião de traumatizados, que viveram ao vivo ou conhecem a história da nossa mais recente ditadura, e acabam dando ao palavrão meios para circular de boca em boca em contexto de alerta, denúncia e repúdio.

Há ainda uma terceira corrente, a daqueles que criticam as menções feitas em forma de alerta, seja por julgarem sem sentido ou desnecessárias (“Isso não existe!”, sustentam), seja porque, para eles, a mera citação teria o poder de fazer acontecer, como profecia auto realizável. O engraçado é que dizem “golpe” pedindo para que ninguém diga…

É preciso levar em conta ainda as citações invisíveis. Ocorrem quando a palavra está elipticamente contida numa frase, sente-se a cor e o peso (de chumbo!) de sua presença, percebe-se claramente a intenção do usuário, mas não a lemos/ouvimos. A intenção é esta mesmo, ou seja, dizer, não dizendo, afirmar não querer mas, clara e indubitavelmente, querendo golpe, querendo ditadura, sonhando ter liberdade para tirar proveito da falta de liberdade dos outros.

Mas, claro, o problema nao está na palavra, e sim nos usos. E no que tramam os golpistas. Porque, na real, toda aspiração ditatorial tem origem na vontade de suprimir direitos legítimos para se dar vantagens indevidas. Quando alguém reclama de que há liberdade demais, direitos em excesso, está mirando a liberdade e os direitos alheios. Quando pedem prisões ilegais e elogiam torturadores, fazem isso porque, no mundo em que sonham viver, serão sempre carcereiros e torturadores, jamais torturados.

Em resumo, todo defensor de ditadura é covarde, incompetente e desonesto. É gente que, em um mundo com regras democráticas, vai para o fim da fila. Por isso querem acabar com as filas (ou furá-las), são contra concurso público, odeiam regras de transparência etc. Não é ideologia, é patifaria, bandidagem. Querem poderes discricionários para se aproveitar do que não lhe pertence sem que os espoliados tenham a quem pedir proteção ou como se defender.

* Evaldo Costa, jornalista, é secretário de Comunicação da CTB-PE

[Publicado originalmente no Diário de Pernambuco]