Demissão do ministro da Saúde vai agravar a crise sanitária e política

Humilhado publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro pelo menos duas vezes ao longo da semana, o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão nesta sexta-feira (15).

A gota d´água foi o últimato dado pelo líder da extrema direita para que o protocolo do Ministério sobre o uso da cloroquina fosse alterado para ampliar a indicação do remédio no tratamento do coronavírus, a despeito das evidências científicas de que a droga pode ser mais fatal do que o próprio vírus.

Contra a ciência

O protocolo que Bolsonaro quer mudar alerta que “as evidências identificadas ainda são incipientes para definir uma recomendação. A literatura apresenta três estudos clínicos, com resultados divergentes”, de forma que cloroquina e hidroxicloroquina só devem ser utilizadas em casos confirmados de Covid-19 e a critério médico, como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, dado os seus efeitos colaterais, especialmente complicações cardíacas.

Na segunda-feira (11) Bolsonaro baixou um novo decreto ampliando os ramos da economia classificados como essenciais que, teoricamente, podem continuar funcionando normalmente durante a pandemia. Incluiu salões de beleza, academias de ginásticas e barbearias. Tudo isto em oposição às orientações da OMS, bem como de cientistas e médicos em geral.

O ministro da Saúde sequer foi consultado. Soube da notícia através dos jornalistas durante entrevista coletiva. Não conseguiu disfarçar o constrangimento e a humilhação.

Médico, Nelson Teich foi muito criticado quando aceitou o convite de Bolsonaro para ocupar o lugar de Mandetta. Não ficou um mês no cargo. Apesar de seus notórias defeitos e debilidades, é preciso reconhecer que ele manteve no Ministério da Saúde basicamente a mesma política em relação ao Covid-19 herdada do antecessor.

Diferentemente do chefe do Executivo, o agora ex-ministro estimulou o isolameneto social e chegou a dizer que o governo federal poderia recomendar o lockdown (confinamento radical, com ampla paralisação dos transportes e da produção) para cidades que estejam enfrentando uma crise sanitária mais grave.

Nesta sexta (15) ele também se opôs abertamente à mudança do protocolo do Ministério da Saúde sobre a cloroquina e foi com a rejeição do ultimato de Bolsonaro que justificou a demissão. Não saiu pelos defeitos, mas pelo escrúpulo com a ciência e a medicina.

Pesadelo

A mudança de dois ministros da Saúde em menos de 30 dias, o último no momento em que a pandemia do coronavírus ceifa quase mil vidas de brasileiros e brasileiras diariamente e multiplicam-se os sinais de colapso do sistema público e privado de saúde, é mais um capítulo fúnebre do pesadelo que atormenta a nação. O fato provoca mais instabilidade e insegurança política e sanitária.  

Os efeitos da pandemia seriam ainda mais letais se governadores e prefeitos não tivessem contrariado a vontade do presidente adotando a política de isolamento social, o que transformou em letra morta em muitos Estados, por exemplo, o decreto que incluiu salões de belezas e academias, que têm alto risco de transmissão, em atividades essenciais.

De todo modo, a crise, que já é muito séria, tende a se agravar na medida em que o Ministério da Saúde for forçado a ignorar a ciência e a OMS e seguir as orientações insanas e obscuras de Jair Bolsonaro.

Nota da Conass

Leia abaixo trecho da nota divulgada pelo presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame:

 “O CONASS manifesta sua mais alta preocupação com a instabilidade no Ministério da Saúde e na condução da grave emergência em saúde que o país atravessa. Estamos diante da maior calamidade na saúde pública, com o maior número de mortos de nossa história recente. Não é o momento de jogar mais dúvidas neste cenário, que tem infligido tanta dor, sofrimento e morte aos brasileiros. Estabilidade, unidade técnica, esforços conjuntos, ações efetivas e compromisso com a vida e com saúde da população é o que se espera dos gestores neste momento. Em todas as esferas de Governo. A instabilidade e a falta de ações coordenadas e claras, neste momento, são inimigas da saúde e da vida.”   

O episódio também teve ampla repercussão negativa no exterior e entre líderes políticos brasileiros.

O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB) publicou a seguinte mensagem no twitter:

“A confusão que Bolsonaro cria é única no planeta. Espero que as instituições julguem o quanto antes a produção de tantos desastres, entre os quais a demissão de DOIS ministros da Saúde em meio a uma gigantesca crise sanitária. O Brasil merece uma gestão séria e competente.”

É mais uma prova do caráter autoritário do chefe do Executivo, que procura abrir caminho para a instalação de uma ditadura neofascista no país. Urge afastá-lo o quanto antes da Presidência.

Umberto Martins