Fundamentalistas tentam se apoderar dos corpos e mentes das mulheres

Por Marcos Aurélio Ruy. Foto: Wagner Magalhães/G1

A publicação do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), “Mulheres e Resistência no Congresso Nacional – 2020” aponta a tentativa dos setores fundamentalistas religiosos do Congresso em atacar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. “Parecem desejar tomar conta dos nossos corpos e mentes”, reclama Berenica Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.

“Mesmo na pandemia, Congresso e governo federal não deixaram de atuar contra os direitos das mulheres. Das 62 proposições apresentadas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos em 2020 na Câmara dos Deputados e Deputadas, 46 tratam especificamente da questão do aborto. Foram 14 Projetos de Lei, 15 Requerimentos de Informação, 14 Projetos de Decretos Legislativos e 3 indicações legislativas. Somados às proposições dos anos anteriores ainda em tramitação, temos 114 projetos monitorados pelo Cfemea nesse tema”, consta em texto sobre o estudo.

Acompanhe o estudo completo aqui.

A maioria dos projetos apresentados visa impedir a interrupção da gravidez em qualquer circunstância. “O retrocesso desejado por esses grupos tenta levar a mulher de volta ao âmbito privado, onde ela seja obrigada a se submeter à vontade masculina e seja o que chamam de ‘bela, recatada e do lar’”, afirma Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Para ela, “os ultraconservadores rejeitam todas as conquistas das mulheres nos últimos anos”, mas, “a mulher trabalhadora sabe do seu valor e que o seu lugar é onde quiser estar”, por isso “insistimos na luta por mais mulheres na política, nos cargos de direção no mercado de trabalho, nos movimentos sociais, sindical, partidos políticos e em todas as instâncias decisórias do país” porque “sem a participação ativa das mulheres não há democracia”.

Mesmo porque, segundo dados oficiais, ocorrem no Brasil, seis internações diárias por aborto envolvendo meninas de 10 a 14 anos, que foram estupradas. Dados do 14º Anuário de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram a notificação de 66.123 estupros em 2019, um a cada 8 minutos. Sendo 57,9% das vítimas dos estupros meninas de no máximo 13 anos e a maioria dos crimes aconteceu dentro de casa por pessoas conhecidas das vítimas, em boa parte, responsáveis pela segurança dessas crianças.

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Levantamento feito pelo G1 com base em dados do DataSUS revela que “no primeiro semestre de 2020, o número de mulheres atendidas em todo o país pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em razão de abortos malsucedidos – tenham sido provocados ou espontâneos – foi 79 vezes maior que o de interrupções de gravidez previstas pela lei. De janeiro a junho, o SUS fez 1.024 abortos legais em todo o Brasil. No mesmo período, foram 80.948 curetagens e aspirações, processos necessários para limpeza do útero após um aborto incompleto”.

Na visão de Berenice, “o trabalho das parlamentares progressistas é essencial para manter a chama acesa da luta pela emancipação feminina”. Para ela, “é essencial insistir na inserção do debate de gênero nas escolas para iniciarmos um grande trabalho de conscientização da sociedade sobre a violência sexual e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”.

Além disso, mostrar que as mulheres devem ser donas do seu destino. “Precisamos lutar pela nossa independência financeira, psíquica e emocional e mostrar que temos plenas condições de decidir sobre nossas vidas”, principalmente porque “compete a nós decidir sobre os nossos corpos”.

O Cfemea destaca a atuação do desgoverno Jair Bolsonaro e da bancada ultraconservadora “contra o direito das mulheres decidirem sobre seu próprio corpo. A diferença de 2020 para outros anos é que a atividade parlamentar em torno do tema foi motivada principalmente por ações do próprio governo. Os Ministérios da Saúde e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foram protagonistas desse tema entre as instituições”.

Gicélia Bitencourt, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB-SP, lembra do abandono das políticas públicas em favor dos direitos à vida e à independência das mulheres. “É uma política de ataque aos programas que asseguram os direitos das mulheres, causando um retrocesso nos poucos avanços que tivemos nos últimos anos” e “o mais brutal desses ataques é a Emenda Constitucional 95, que congela gastos na saúde por 20 anos” e isso “impacta diretamente na vida das mulheres e da classe trabalhadora”.

Ela denuncia também que “o governo não apresenta nenhuma perspectiva para atendimento à saúde das mulheres trans, tenta o tempo todo criminalizar a educação sexual e questão de gênero e além disso intenciona retroceder nas leis que garantem aborto seguro para mulheres vítimas de estupro”. E não contente, “promove um discurso de ódio fomentando ainda mais a violência, como se já não bastasse sermos o quinto país mais violento contra as mulheres”.

A secretária de Saúde da CTB, Elgiane Lago acredita que os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres numa sociedade tão opressora e machista acabam também por ser “uma questão de saúde pública”.  Ela ressalta um dado do estudo do Cfemea sobre a diminuição de hospitais aptos a realizar o aborto legal no país. O país conta com apenas 42 hospitais para esse atendimento. Em 2019 eram 76. “Isso revela o avanço conservador sobre a vida das mulheres”, diz.

“A partir do momento no qual o aborto é criminalizado, a mulher ou menina vai procurar o atendimento pela porta dos fundos, em clínicas clandestinas sem a menor condição de realizar um aborto seguro”. O problema vem se agravando porque “muitas adolescentes são estupradas e a pandemia escancarou essa crueldade contra as nossas meninas”.

Na realidade, ressalta Elgiane, “essas crianças engravidam nesse ato violento e ainda sofrem a discriminação por quererem que elas mantenham a gravidez, mesmo sem a menor condição social, física, emocional e psíquica”. Então, “defender a descriminalização do aborto é uma questão de sobrevivência para milhares de mulheres e meninas pobres. principalmente”.

Celina finaliza ao afirmar que “o debate de gênero é mais que uma bandeira de luta na atualidade”. É preciso “levar informação para toda a sociedade sobre a importância de educar as crianças para a cultura da paz, do respeito e dos direitos humanos”. E com isso “compreender a necessidade de combater com firmeza a cultura do estupro, do ódio e da discriminação”.