Vou falar do meu lugar de pobre, favelada e que convive de verdade com povão.
Não dá pra brincar de fazer educação política agora faltando menos de um mês pra eleição. Não dá pra faltar de orçamento secreto, centrão, compra de apoio AGORA. Educação a gente faz a longo prazo e a gente não tem prazo.
Não adianta falar de orçamento secreto pra quem ta ouvindo que se o Lula ganhar vai ter que assar o próprio cachorro e vai ter a casa invadida por sem-teto.
A gente tá numa disputa extremamente suja e se quiser ganhar é descer do salto e enfiar a mão na lama. Vídeo de artista fazendo L na frente da mansão não convence quem tá sem dormir por causa do aluguel atrasado. Passou da hora de sair da bolha, da academia e parar de pregar pra convertido.
Tem milhões de outras realidades a nossa volta, as pessoas têm fome e quem tem fome tem fome agora, não é amanhã, não é quando o programa de governo for aprovado. Essas discussões são importantíssimas, mas não são pra agora.
Tá na hora de usar a mesma arma que essa galera. Se é pra fazer terrorismo, levar pra religião, pra situações extremas, que seja. Queria demais que o adversário fosse civilizado e a gente pudesse fazer discussão decente. Mas não é e isso é o que tem pra hoje.
Já deu de ficar nessa bolha de nós somos inteligentes e especiais e estamos fazendo pelo bem da humanidade. A gente tá fazendo por nós mesmos, mas é do lado de cá que a corda arrebenta. Já deu de fazer campanha com sambinha fora da realidade, isso não cola, não convence e muitas vezes nem chega em quem mais precisa.
É isso. A gente tem que lembrar que não tá mais em 80, que Chico e Caetano são divindades, mas não falam mais com o povão. Que o mundo não é Rio e São Paulo. Quer falar com favelado? Pega o Poze, a Ludmila, os Racionais. Coloca pessoas com quem as pessoas reais se identifiquem.
Eu não quero o Lula por causa do investimento em pasta X ou Y, por causa de democracia. Com ou sem o Lula polícia sobe favela e atira primeiro pra perguntar depois, com ou sem o Lula segurança me segue em shopping, com ou sem o Lula eu tenho que pensar no que vou vestir e calçar pra evitar ser parada e não ficarem me encarando tanto quando eu vou a qualquer lugar.
Eu quero o Lula porque foi com o bolsa família que eu não passei fome, com cota que eu entrei na universidade, com farmácia popular que minha irmã teve acesso as medicações que ela precisa pra sobreviver.
Não é questão de defender democracia, isso é abstrato demais. É defender sobrevivência
Não adianta fazer discurso abstrato, é pegar a realidade das pessoas. E também não é pregar mundo mágico de Oz porque não existe.
Eu sou a primeira da minha família que formou e ainda passo os mesmos apertos, ainda vejo que cota vale na faculdade, mas não vale no mercado de trabalho, que os mesmos sobrenomes que escravizaram meus antepassados dominam o mercado onde eu não consigo entrar.
A vida não vai ser linda quando o Lula ganhar não, mas as pessoas merecem ao menos a oportunidade de que ela seja menos difícil. Onde eu moro posso contar quantas vezes polícia entrou lá em casa, quantas vezes acordei e tinha gente armada por lá sem mandado, sem porra nenhuma.
Natalia Andrade, jornalista, preta, a integrante do grupo “Esporte pela Democracia”. Foto: Arquivo Pessoal Instagran