A ascensão da China e a decadência dos EUA na América Latina

O contrato entre China e Argentina no valor de US$ 10 bilhões assinado em Pequim nesta terça-feira (13) é emblemático das mudanças que estão em curso na conjuntura econômica internacional, num contexto geral de crise do capitalismo e da ordem imperialista mundial.

O financiamento destinado ao ramo ferroviário do país sul-americano consolida um novo status do gigante asiático, o de provedor de capitais para os países posicionados na chamada periferia do sistema, condição que até então era privilégio exclusivo das grandes potências capitalistas (EUA, Europa, Japão) e das instituições da banca, o FMI e o Banco Mundial.

Exportação de capitais

A China se destacou na exportação de mercadorias, tornando-se, sob este aspecto, a maior potência comercial do planeta, exteriorizando a extraordinária expansão de sua indústria. Em 2009, ano de crise e contração do mercado mundial, o país ultrapassou a Alemanha no ranking das exportações, arrebatando o primeiro lugar. Os EUA recuaram para a terceira posição. No mesmo ano, a próspera nação asiática tornou-se a maior parceira comercial do Brasil, deslocando os EUA.

A exportação de mercadorias é fundamental, mas não é tudo. Mais relevante na projeção de poder e influência econômica internacional das nações é o que Lênin, o líder da Revolução Soviética, caracterizou como exportação de capitais, que podemos traduzir como investimentos diretos (sobretudo aquisições e instalações de empresas) e indiretos (empréstimos). É isto que a China passa a fazer, e em alto estilo, neste momento histórico, rivalizando com as potências capitalistas do chamado Ocidente.

O potencial de investimentos chinês deriva de suas reservas internacionais de cerca de 2,5 trilhões de dólares, as maiores do mundo. Ao priorizar os investimentos diretos, o governo comunista procura o caminho para transformar reservas em ativos reais no exterior, em vez de títulos emitidos pela Casa Branca ou hipotecas, aplicações que Karl Marx contabilizaria como capital fictício, sujeito a brusca depreciação como se viu na crise imobiliária.

Deslocamento geopolítico

Este movimento da economia, que tem caráter objetivo, tem notáveis repercussões geopolíticas, pois ocorre num momento de crise da hegemonia econômica e política dos Estados Unidos e da ordem econômica mundial, em que também rola o drama da decadência (relativa) da Europa e do Japão. É a expressão do que alguns observadores chamam de deslocamento do poder econômico global do Ocidente para o Oriente (leia-se China).

Enquanto avança o papel da China no jogo internacional das aquisições e implantação de empresas no exterior, declina a posição dos EUA que, conforme notou Hobsbawm, virou um importador líquido de capitais. Hoje, os norte-americanos comparecem ao fabuloso mercado de aquisições mais como vendedores que como compradores.

O novo status econômico da China, ou seja, o de provedor de capitais, é um fator que pode contribuir para reduzir ou mesmo tornar irrelevante a dependência histórica das economias latino-americanas em relação a fontes de financiamento tradicionais (EUA, Europa e Japão).

Neste sentido, a ascensão da China dialoga com o novo cenário político vivido por muitos países da América Latina e tem a ver com a luta por mudanças e o anseio de soberania, que passa, em primeiro plano, pela contestação do domínio imperialista exercido pelos EUA, a derrota do neoliberalismo e a afirmação de novos projetos de desenvolvimento, com soberania, democracia e valorização do trabalho.


Umberto Martins é jornalista do Portal Vermelho

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