O conflito na Europa gerou uma crise mundial de distribuição e abastecimento de insumos básicos com ares de século passado. Agora, o risco de desabastecimento de petróleo em vários países é iminente, e no Brasil, não é diferente. Conversamos com um trabalhador petroleiro para entender como um país com tanta capacidade produtiva e de refino, como o nosso, pôde chegar neste ponto.
Para Pedro Lúcio, diretor da CTB Nacional, da FUP e do Sindicato dos Petroleiros, não há dúvidas: a guinada política que o governo federal deu com a Petrobras em 2016, ao deixar de priorizar o mercado nacional, fez com que a empresa não tivesse condições agora de blindar o país desta crise mundial.
São muitos fatores que trouxeram a Petrobras ao nível de fragilidade que a empresa está hoje. Mas a guinada política que aconteceu em 2016, para Pedro, é central. “Em 2016, o governo federal mudou a perspectiva da Petrobras de empresa nacional estatal, para a perspectiva de uma empresa voltada para o rendimento e o mercado de ações. Até então, nós tínhamos uma política voltada para garantir o abastecimento de derivados de petróleo – gasolina, diesel – a preços justos”, explica o petroleiro.
Outro problema é que há anos o preço do petróleo vem apenas subindo, em todo o mundo, e diante deste cenário, a indústria petroleira considera mais lucrativo produzir que refinar petróleo. “A questão é que petróleo por si só não abastece nada, precisa ser refinado. E o Brasil perdeu grande parte de sua capacidade de refino”.
Segundo Pedro, a mudança de política da empresa, impactou também nas prioridades de refino e abastecimento. Das 13 refinarias nacionais, 8 estão em processo de privatização, e uma delas já foi privatizada. A refinaria Ladulpho Alves, na Bahia, que era responsável por 15% da capacidade nacional de refino.
Com menos refinarias, o Brasil se vê refém da importação. E uma vez que o mundo está em crise, importar também ficou mais caro e mais difícil, de forma que quem visa apenas o lucro, não vai empenhar esforços para resolver o problema.
“O número de importadores no Brasil cresceu 88% nos últimos anos, quase dobrou de 2016 a 2021. Isso porque o governo federal decidiu tirar a Petrobras desse processo de abastecer o mercado nacional, e delegou isso para iniciativa privada, que não tem capacidade de investimento para construir grandes refinarias. Então a solução que eles encontram é pegar petróleo refinado na Índia, China, Singapura, e trazer para cá. Isso gera outro problema: no segundo semestre de 2022 o mundo vai passar por desabastecimento de óleo diesel, em decorrência do baixo nível de estoque mundial. O Brasil vai sofrer com isso por culpa dessas políticas equivocadas que foram aplicadas na Petrobras”, afirma Pedro Lúcio.
Para o dirigente sindical, se o país tivesse seguido no rumo de desenvolvimento e fortalecimento da estatal, como vinha acontecendo nos Governos Lula e Dilma – destaca – hoje a Petrobras teria plenas condições de barrar essa crise e proteger o mercado interno. Mas agora, diante da crise, o presidente Bolsonaro teve condições de barrar o avanço do desmonte, e não o fez. Com isso, o país se vê refém do mercado externo sem possibilidades de defesa.
Trabalhadores pagam o preço
Além de fatiar a empresa em pedaços e fazê-la perder sua capacidade de refino e produção, o governo Bolsonaro também ataca o quadro de funcionários. O desmonte se estende para a base dos trabalhadores.
Pedro Lúcio afirma que “dentro da perspectiva de privatização da estatal, a Petrobras já reduziu muito seu quadro de trabalhadores: desempregou mais de 290 mil terceirizados, e desligou mais de 40 mil trabalhadores concursados. Além disso, tem realizado desmontes nos nossos direitos, que é o caso agora do nosso plano de saúde e Previdência”.
As demissões em massa têm gerado sobrecarga de trabalho aos trabalhadores que ficaram, e isso tem tido impactos imensos na qualidade do desempenho. Muitos trabalhadores apresentam quadro de estafa, adoecimento mental, além da sobrecarga que obriga muitos a até levarem trabalho para casa.
“Para nós petroleiros, e para o Brasil como um todo, é importante que a Petobras retome seu papel de garantidora dos interesses nacionais. Essa crise revela ainda mais o papel das indústrias nacionais”.
Com seu quadro de refinarias completo, a Petrobras teria condições de refinar 89% do petróleo consumido no Brasil. E os outros 11% que “faltariam”, neste caso, seria possível importar sem maiores dificuldades, para atender a demanda do mercado interno, explica o dirigente sindical.
“Mas o impacto dessas políticas de desmonte ao longo destes seis anos foi devastador. Então hoje não é possível garantir que não vai faltar diesel”, finaliza.