Por Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura
Uma das estratégias usadas pelos militares na guerra é a que os especialistas chamam de cerco e aniquilamento. Como o nome já anuncia, essa estratégia é usada quando a missão é destruir os inimigos, não deixar pedra sobre pedra no território.
Para chegar a esse objetivo final cercam, enfraquecem, acossam, perseguem, machucam e atormentam até o aniquilamento total. É essa estratégia que está sendo posta em prática pelo atual governo em sua relação com a cultura brasileira.
Bolsonaro e os que apoiam o governo abertamente, ou desde as sombras, querem “passar a cultura brasileira a limpo”, como se toda a dimensão simbólica do país fosse uma mancha a ser removida com uma água sanitária ideológica, com mecanismos de censura, perseguição e asfixia financeira.
Todo o setor cultural já sente os efeitos dessa belicosidade. Uma tragédia, em meio à barbárie geral que estão tentando implantar no país.
A extinção do Ministério da Cultura, a tentativa de substituir o IPHAN por uma superintendência, o escárnio na Palmares, o esvaziamento de todas as instituições culturais, o etnocentrismo doentio em relação aos povos indígenas, a suspensão ou esvaziamento das políticas culturais, dos serviços e mecanismos de financiamento, estímulo e apoio à produção cultural, as tentativas de perseguição e censura, o escárnio e a sistemática banalização do mal etc…
A estratégia de cerco e aniquilamento só é posta em prática quando os comandantes das forças de ocupação desejam atingir o cenário de terra arrasada. E, em geral, a destruição é acompanhada de uma alternativa para ocupar o terreno alvo da destruição. O problema é que o projeto neoliberal/autoritário de direita não tem o que por no lugar da nossa música, do nosso cinema, das artes cênicas, das manifestações culturais tradicionais, da nossa literatura, da nossa dança e de toda a rica e complexa diversidade cultural brasileira.
A ignorância, a mediocridade, a burrice e o vazio distópico estão dando as cartas no Brasil, mas não são capazes de produzir um projeto de nação, de propor um futuro, de produzir uma outra cultura. O resultado é destruição, demolição, desconstrução, tristeza, pessimismo e desalento.
Quem poderá herdar esse cenário, caso ele permaneça por mais tempo, é a indústria cultural globalizada e suas megaempresas supranacionais. Somos um grande mercado cultural, temos talento de sobra, criatividade e uma certa infraestrutura cultural instalada.
E já começa a se desenhar um cenário – no cinema, por exemplo – de transformar nossos artistas, técnicos e toda a infraestrutura construída com muito sacrifício pelo setor, por décadas, com o apoio dos nossos governos, em meros prestadores de serviços para a indústria cultural globalizada.
Nossa soberania como nação, nosso futuro como povo, nossa singularidade e grandeza cultural está ameaçada.
A guerra cultural não é um capítulo à parte da tragédia que estamos vivendo. É a mãe de todas as batalhas!
Foto: Lia de Paula