Por Marcos Aurélio Ruy (Foto: Divulgação)
Algumas violências recentes contra mulheres suscitaram novamente o debate sobre a importância da promoção de um amplo debate sobre as questões de gênero nas escolas e aulas sobre educação sexual com envolvimento de toda a sociedade.
“Os ataques sórdidos sofridos pela presidenta da UNE (União Nacional dos Estudantes), Bruna Brelaz, o veto do presidente Jair Bolsonaro ao artigo de uma lei que prevê distribuição gratuita de absorventes e a absolvição do acusado de ter estuprado Mari Ferrer, nos mostram a necessidade de uma resposta dos movimentos que lutam pela cultura da paz”, afirma Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Ao dialogar com setores da direita e defender em uma entrevista a formação de uma Frente Ampla para derrotar Bolsonaro nas eleições do ano que vem, Bruna foi vítima de ataques ferozes, não às suas ideias e propostas, mas à sua condição de mulher negra e líder estudantil.
Celina lembra que o Brasil é o quinto país mais violento contra mulheres e o primeiro em violência contra a população LGBTQIA+. Também ressalta o genocídio da juventude negra, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no Brasil 32 crianças e adolescentes são mortos todos os dias.
O que remonta à pesquisa Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, feita pelo Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com esse estudo, 17 milhões – 1 em cada 4, acima de 16 anos – de mulheres disseram ter sofrido algum tipo de violência entre meados de 2020 e 2021.
A secretária-adjunta da Mulher Trabalhadora da CTB, Lenir Piloneto Fanton argumenta não ser novidade esse tipo postura de homens, quando “uma mulher se destaca e exprime com clareza as suas opiniões”. Parece, acrescenta ela, “que ela está fora de seu lugar”, que seria, “segundo esses homens o ambiente privado”.
Por isso, a revista Veja entrevistou a esposa do presidente golpista Michel Temer, em 2016, Marcela e deu o título “Bela, recatada e do lar” para reafirmar o machismo e se contrapor às mulheres empoderadas.
Lenir lembra da misoginia contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em seu segundo mandato, com início em 2014 encerrado com o golpe de Estado de 2016 e das sucessivas interrupções às falas da então pré-candidata à Presidência, Manuela D’Ávila, do PCdoB, no Roda Viva, da TV Cultura, em 2018.
“Além de não permitirem que Dilma governasse, muitas reportagens suspeitas alegando despreparo e uma presidenta à beira de um ataque de nervos, quando víamos a Dilma enfrentando os leões com muita fibra e resiliência”.
Já sobre a Manuela, Lenir conta que “ela tem sido vítima da misoginia em toda a sua carreira política, mas na eleição de 2018, houve extrapolação de todas as agressões”. Paula Bandeira, secretária da Mulher da CTB-CE, lembra também da agressão sofrida pela senadora Simone Tebet (MDB-MS) em sessão da CPI da Covid.
Para Rozana Barroso, presidenta da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), “a violência política é uma realidade na vida de mulheres que ousam lutar por um país melhor. Uma mulher negra no poder, incomoda muito”, então, essencial “destacar a importância da frente ampla de mulheres”.
Por isso, “é preciso enfrentar e combater a crescente violência contra as mulheres e garantir o espaço para que possamos atuar sem medo e defender nossas posições políticas, nossa batalha é por uma construção ampla, com muita unidade”, assegura Flora Lassance, secretária da Mulher da CTB-BA.
Flora acredita na necessidade de contenção do avanço conservador no país com sua ideologia patriarcal e da cultura do estupro.
O 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste ano, mostra a ocorrência de 1.350 feminicídios em 2020, sendo 74,7% de mulheres entre 18 e 44 anos, 61,8% de negras e 81,5% dos crimes foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros. No total foram assassinadas 3.913 mulheres no mesmo período.
O caso de Mariana Ferrer viralizou na internet quando o advogado de defesa de André de Camargo Aranha alegou “estupro culposo”, tese aceita pelo juiz de primeira instância e derrubada pelo Congresso, numa lei que leva o nome de Mari Ferrer.
Acontece que em julgamento em segunda instância no Tribunal de Justiça de Santa Catarina ele foi absolvido por unanimidade. A defesa dela pede anulação desse julgamento.
“O fato escancara o machismo presente em todos os setores de nossas vidas”, analisa Paula. “Em casos de assédio e estupro muitas vezes culpam a vítima, mesmo se tratando de crianças”.
Veto desumano
Outro fato recente aprofunda ainda mais a terrível situação vivida pelas brasileiras. Bolsonaro vetou a distribuição absorventes para meninas carentes de escolas públicas, moradoras de rua e presidiárias, determinada pela Lei 14.214.
“Você consegue imaginar o uso de papel, jornal ou miolo de pão para conter a menstruação?”, questiona Rozana e emenda “essa é uma realidade dura, em especial entre a juventude” e “em meio a uma pandemia e consequentemente o agravamento da desigualdade social, essa situação se torna ainda pior”.
Por isso, “o combate à pobreza menstrual é um passo muito importante para o combate à evasão e abandono escolar também”, complementa a líder estudantil. “A pobreza menstrual engloba desigualdades sociais que afetam a saúde física, psicológica e as oportunidades de estudo e trabalho de quem menstrua. O veto do presidente é mais um sinal da misoginia e menosprezo dele à condição humana”, reforça Flora.
Gleicy Blank, secretária da Mulher da CTB-ES, assinala a necessidade dos movimentos de mulheres e LGBTQIA+ e do movimento sindical atuarem “firmes na defesa da paridade e igualdade entre os sexos” porque “sofremos discriminação em todos os setores da vida, inclusive no mercado de trabalho, dificultando a nossa independência econômica”.
Como diz Gleicy, a violência doméstica se aprofundou muito durante a pandemia, “realçando o machismo de nossa sociedade. Dados do 15º Anuário Brasileiro reforçam a sua fala. Os dados apontam para mais de 60 mil estupros denunciados no ano passado, sendo que 73,7% das vítimas eram vulneráveis ou não reuniam condições de consentir, 60,6% tinham até 13 anos, 86,9% eram do sexo feminino e 85,2% dos criminosos eram conhecidos das vítimas.
Com todos esses dados e acontecimentos, “fica mais do que evidente se essencial a inclusão do debate das questões de gênero nas escolas e a adoção de aulas de educação sexual”, diz Heloísa Gonçalves de Santana, secretária da Mulher da CTB-SP.
“Sempre respeitando a faixa etária para não suscitar dúvida sobre a importância de ensinar às crianças como identificar os abusos, porventura cometidos”, complementa.
“O papel da escola num país como o Brasil é fundamental para o combate às desigualdades e debater com toda a sociedade a importância do respeito à vida e à dignidade humanas”, argumenta Celina.
“As mulheres, os povos indígenas, a população LGBTQIA+e os negros precisam se unir para combater o ódio de classe, de gênero e de raça. No ano que vem tem eleição, o que faremos com o nosso voto?”