Por Marcos Aurélio Ruy (Fotos: Acervo do Museu do Futebol)
Um dos mais injustiçados jogadores de futebol do Brasil, Barbosa completaria 100 anos no dia 27 de março. O goleiro da seleção brasileira vice-campeã da Copa do Mundo de 1950, a primeira a ser realizada no Brasil, faleceu no dia 7 de abril de 2000, aos 79 anos.
A exposição Tempo de Reação – 100 anos do Goleiro Barbosa começou no dia 19 de julho no Museu do Futebol, em São Paulo, no Pacaembu. Os fãs do esporte mais popular do país, que estiverem na capital paulista, podem apreciar a história de um dos mais importantes goleiros brasileiros até o dia 21 de novembro. Também dá para acompanhar razoavelmente pelo endereço da exposição na internet: https://museudofutebol.org.br/exposicoes/tempo-de-reacao-100-anos-goleiro-barbosa/
A tentativa é recuperar a memória do atleta ao mostrar que ele não foi o responsável pela derrota na final da Copa de 1950.
Moacyr Barbosa nasceu em Campinas, interior de São Paulo, e passou por vários clubes, mas se projetou para o cenário nacional no clube carioca Vasco da Gama, onde atuou de 1945 a 1955 e depois de 1958 a 1962.
Foi eleito o vilão da Copa de 1950. Porque a euforia tomou conta do país. A seleção atuava bem e chegou à final necessitando apenas de um empate para sagrar-se campeã. Mas do outro lado, tinha uma equipe fortíssima, a do Uruguai, campeã em 1930. Os uruguaios viraram o jogo e venceram por 2 a 1. Tristeza geral no Maracanã naquele 16 de julho. O episódio ficou conhecido como Maracanazo e o goleiro eleito como o bode expiatório para a derrota.
Poucos se lembraram de que o esporte é coletivo e, além disso, falhas são humanas e podem acontecer. Por isso, muito importante e corajosa a decisão da ginasta estadunidense Simone Biles em desistir da Olimpíada no Japão por não se sentir bem.
O que dá razão a Nelson Rodrigues (1912-1980). Ele dizia que os jogadores de futebol precisam de apoio psicológico para suportar a pressão. Pelo que se vê todos os atletas necessitam. Aliás, todas as profissões. Como diz a canção Aprendendo a Jogar, de Guilherme Arantes: “Vivendo e aprendendo a jogar/Nem sempre ganhando/ Nem sempre perdendo/ Mas, aprendendo a jogar”. Vale para tudo na vida.
De acordo com os organizadores da exposição, a trajetória de Barbosa “nos diz sobre como o racismo estrutural na nossa sociedade. E nos permitirá refletir sobre como agir, hoje, para mudar essa estrutura. Exaltar Barbosa é falar da técnica, da alegria e de um futebol brasileiro que conquistou o mundo graças ao protagonismo de homens negros”.
Racismo no futebol
Trajetória difícil de um esporte que chegou elitista para o país, mas ganhou o coração das multidões e o povo brasileiro se afeiçoou a esse esporte como a nenhum outro. Porém, os clubes demoraram para aceitar negros em suas equipes.
De acordo com o escritor e jornalista Mário Filho, em seu livro O Negro no Futebol Brasileiro, o clube carioca Bangu foi o primeiro a escalar um jogador negro, Francisco Carregal, em 1905. Também conta que Arthur Friedenreich, autor do gol que deu vitória à seleção brasileira no Sul-Americano de 1919, era obrigado a esticar o cabelo para jogar.
Inclusive conta história curiosa de Carlos Alberto, jogador do Fluminense, que era maquiado com pó de arroz para disfarçar sua negritude. Com o transcorrer da partida a maquiagem saía junto com o suor. Isso valeu o apelido à torcida do Fluminense de pó de arroz.
Mais grave ainda foi a recomendação do presidente Epitácio Pessoa, em 1921, para que a seleção brasileira não levasse jogadores negros à Argentina para o torneio sul-americano e criar “outra imagem” do país com o “melhor de nossa sociedade”. Anos depois, o racismo persiste com inúmeras ofensas a jogadores negros por torcedores e às vezes por outros atletas.
Não apenas no futebol tem racismo. A ex-ginasta Daiane dos Santos, a primeira atleta negra a ganhar medalha de ouro em um campeonato mundial de ginástica, em 2003, denunciou em uma entrevista à edição brasileira da revista Marie Claire que com ela ocorreram “situações na seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro. Teve muito isso dentro da seleção” das ginastas brasileiras.
No futebol, dois dos maiores ídolos do país, Pelé e Garrincha, ao lado de Didi, Djalma Santos e outros resgataram a autoestima do brasileiro, contra o complexo de vira-latas, como denominou o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues, com as conquistas das Copas de 1958 e 1962.
Mesmo assim, o racismo no futebol se mantém, como reflexo da sociedade brasileira na qual predomina a mentalidade escravocrata.
Um episódio contado de que Barbosa teria sido proibido por Carlos Alberto Parreira de visitar a seleção que se preparava para a Copa de 1994, em uma reportagem à emissora britânica BBC, é desmentido por Tereza Borba, filha de consideração do goleiro.
Segundo ela, “o Barbosa foi fazer uma matéria para BBC, de Londres, e ficou uma semana na Granja Comary, juntamente ao Parreira, Zagallo, Taffarel e jogadores. Sem problema algum. O Zagallo é apaixonado pelo Barbosa. Até dizia que, se fosse montar uma seleção para ele, o Barbosa seria o goleiro”.
Ela conta ainda que “apareceu um jornalista e falou que gostaria de fazer uma foto dele com o Taffarel (goleiro da seleção de 1994). O Barbosa, super educado, topou, mas o Zagallo, como protetor, o chamou de canto e falou: ‘Barbosa, se eu fosse você, não faria essa foto. Se der uma zebra e o Brasil perder, vão colocar nas suas costas, dizer que você deu falta de sorte. Eles não vão ter o que escrever e vão colocar seu nome na lama de novo. Mas, estou só te falando como amigo’. Barbosa parou e pensou bem. Então, ele chegou no jornalista e falou: ‘vamos deixar para uma outra hora’. O jornalista ficou furioso, e o cara disse que Barbosa foi barrado”.
Além do racismo, Barbosa enfrentou a dificuldade corriqueira dos goleiros como os últimos defensores de uma equipe e quase nunca são perdoados pelos torcedores quando a bola balança a rede. Tanto que Belchior (1946-2017), canta que “estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol” para destacar uma profunda angústia.
A exposição promete revelar para o país o grande goleiro que foi Barbosa e a maior injustiça do nosso futebol. “Sonhei muito com esse momento, são 25 anos lutando para manter viva a memória do Barbosa. Ele é um herói, um herói de resistência, e nunca viveu o fardo que tentaram impor a ele injustamente, por uma derrota que teve a política como verdadeira causa”, afirma Tereza.