Por Franco Malheiro, jornal O Tempo
Mesmo com uma diferença de quase R$ 10 bilhões entre receita e despesa em 2021, de acordo com dados constantes no Portal da Transparência, o governo de Minas continua em dívida com os municípios na área da saúde, o que, segundo prefeitos de todo o Estado, tem ampliado o caos no setor provocado pela pandemia da Covid-19.
Por conta disso, chefes de Executivos municipais organizam um movimento para cobrar do governo de Romeu Zema (Novo) respostas mais efetivas para a crise. Dentre as reivindicações, o grupo denominado 100 +, que inclui municípios com sede macro em saúde e com mais de 100 mil habitantes, exige o pagamento de 50% dos repasses da saúde em atraso com os municípios. O débito total, segundo um dos prefeitos pertencentes ao grupo, pode superar hoje os R$ 3,3 bilhões.
Segundo os gestores municipais, um levantamento feito por eles, com base no Portal da Transparência, indica que a gestão estadual teria disponíveis em caixa mais de R$ 9 bilhões no último dia 4. Diante disso, acreditam que o Estado apresentaria condições de pagar os 50% exigidos e cobram esclarecimentos da gestão estadual. O cálculo dos prefeitos se baseia nos seguintes dados: o governo tinha uma reserva de R$ 4 bilhões em cofre e arrecadou, até o dia 4, R$ 29 bilhões (hoje o valor já é de R$ 34,2 bilhões). Em contrapartida, registrava uma despesa de R$ 22 bilhões (hoje em R$ 25,5 bilhões). Além disso, haveria R$ 2 bilhões em restos a pagar. Com isso, o valor da diferença seria de mais de R$ 9 bilhões, de acordo com os prefeitos. Com os dados atualizados ontem, o montante do que teoricamente estaria nos cofres já teria subido para R$ 10,7 bilhões.
“O governo precisa passar pela real situação das finanças. Tem esse dinheiro (demonstrado no Portal da Transparência), ou não? Mas nos mostra, senta com a gente, faz um planejamento. Mas nem isso. Pagar os 50 % da dívida já ajudaria muito os municípios. Você pega municípios como Passos, que tem a economia toda baseada no comércio e na prestação de serviço. Março agora em relação a março do ano passado, nós arrecadamos menos R$ 14 milhões. Isso é dinheiro! Daqui a uns dias não vamos conseguir nem fechar a folha de pagamento”, destacou Diego Oliveira (PSL), prefeito de Passos e um dos integrantes do movimento dos 100 +. Segundo o mandatário da cidade do Sul de Minas, o governo deve ao município R$ 55 milhões. O prefeito também critica a Onda Roxa adotada em todo o Estado. Segundo ele, a medida ajudou a piorar a situação financeira dos municípios.
O prefeito de Teófilo Otoni, no Vale do Jequitinhonha, Daniel Sucupira (PT), também destaca a necessidade de que o governo de Romeu Zema arque com parte dessa dívida com os municípios.
“Estou com o documento em mãos aqui, até o dia 14.4.2021 o total do débito do Estado com a gente é de R$ 80 milhões. Tem cabimento uma coisa dessa? Se o Estado tem dinheiro em caixa disponível, que pague de imediato pelo menos 50% desse valor, porque esse dinheiro está fazendo falta para gestão em saúde dos municípios”, afirmou Sucupira. Segundo o gestor, as prefeituras estão tendo que trabalhar no sufoco fiscal para conseguir fechar a conta.
“Para garantir a folha de pagamento em dia, para manter a máquina da prefeitura rodando. Na pior das hipóteses, a prefeitura tem que suspender um conjunto de serviços essenciais para a comunidade. No passado a gente recebeu recurso federal para o combate à Covid, mas a crise se prolongou, e agora vivemos o pior momento. O dinheiro acabou”, pontua.
Prefeitos reclamam da falta de insumos e vacinação lenta
Outro ponto levantado pelo grupo em uma nota a ser publicada hoje é a respeito da falta de insumos hospitalares na maioria dos municípios. Os prefeitos cobram do Estado ações mais efetivas para garantir o kit intubação. “O último levantamento que fizemos aqui, na Santa Casa de Passos, é que está acabando o kit intubação. Estamos à beira do colapso. Em vários municípios as pessoas estão acordando intubadas. O Estado precisa atuar de forma mais firme na busca desses insumos. Nós estamos tentando, mas às vezes a gente não acha para comprar. Não entregam”, explicou o prefeito de Passos, Diego Oliveira.
Outro prefeito do movimento, Gustavo Nunes (PSL), de Ipatinga, no Vale do Aço, aponta para a sobrecarga das sedes macro em saúde que atendem toda a região. “Aqui conseguimos entregar coisas boas à população. Montamos um hospital de campanha com estrutura fantástica, só que nem todas as cidades da região conseguiram boa estrutura e acabam sobrecarregando o nosso sistema”, afirmou.
Diogo Oliveira diz que “falta diálogo” por parte de Romeu Zema. “O governo precisa passar a real situação e ser transparente”, disse.
Para o prefeito de Ipatinga, porém, o que falta é “tirar o que é dito do papel”. “O governador até conversa com os prefeitos, mas fala e não faz. Falta ação”, reforçou.
Os prefeitos cobram mais celeridade na vacinação e no pagamento do auxílio emergencial pelo governo federal.
Diego Oliveira quer mais ações efetivas do Estado para cobrar do governo federal a disponibilização de doses e procurar formas alternativas de adquirir vacinas: “O Estado tem que ir atrás de outras possibilidades, e não ficar de braços cruzados esperando apenas as vacinas que o governo federal envia”.
Grupo fará uma série de reuniões hoje na capital
Representantes do movimento 100 + cumprem agenda de reuniões em Belo Horizonte hoje. Os prefeitos vão se reunir com o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), depois vão se encontrar com o presidente da Assembleia Legislativa de Minas, Agostinho Patrus (PV), e com o procurador Geral de Justiça, Jarbas Soares.
O desejo do grupo era também se reunir com o governador do Estado, Romeu Zema. No entanto, eles dizem que o governo ainda não confirmou se vai receber o grupo.
“Nosso escopo é o governador, porque ele tem a caneta na mão e decide para onde vai o recurso. Mas o diálogo está difícil”, afirma Diego Oliveira, prefeito de Passos.
Estado nega recurso disponível
O governo de Minas afirma que “não procede a informação de que o Estado tenha, atualmente, R$ 9 bilhões em caixa”, pois esse dinheiro já estaria comprometido.
“Para 2021, boa parte da receita já está comprometida, em função do déficit orçamentário previsto de R$ 16,2 bilhões. Vale ressaltar ainda que, apesar das dificuldades econômicas pelas quais passa Minas Gerais, agravadas sobremaneira pela pandemia da Covid-19, o governo do Estado tem se esforçado no sentido de manter a continuidade dos serviços prestados à população e também de honrar os compromissos assumidos. Entre eles, destaca-se o acordo assinado com a Associação Mineira de Municípios para o pagamento de R$ 7 bilhões relativos a ICMS, IPVA e Fundeb não repassados às 853 prefeituras mineiras pelo governo anterior. Do montante, cerca de R$ 3,7 bilhões já foram pagos”, diz o governo.
Foto: Fred Magno/Folhapress