Aprendi, desde muito cedo, que não se bate em quem não pode se defender. Acho que deveria ter aprendido que não se deve usar da violência quando se tem domínio sobre as palavras, quando se tem a capacidade de argumentar. Talvez isso não importe agora, ou talvez importe mais do que suponho.
Aprendi também, ainda na infância, que o homem domina a natureza. Lá na bíblia, no livro de Gênesis 1:28, diz: Deus os abençoou e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e SUBJUGUEM a terra!Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”. Eu não sei se a versão original do livro tem esse mesmo significado, sei, porém, que fomos ensinados assim. E não importa se você não é cristão, em algum momento, possivelmente, isso fez parte de sua vida.
Todos nós um dia fomos crianças. Dessa fase sempre trazemos marcas, sejam boas ou ruins. Alguns de nós tiveram direito a vivenciá-la de forma lúdica e prazerosa, outros nem tanto. O mais lógico, contudo, é que sobrevivamos à fase e sobre ela construamos narrativas que permeiem nossos diálogos futuros. Sei que muitos deles vão parar nas sessões de terapia. Essa, sem dúvida, é uma boa oportunidade para ressignificar as vivências.
Claro que nem todo mundo tem acesso a um psicólogo, todavia, se você consegue pensar na infância, você teve o privilégio de passar por ela. Eu não deveria estar falando em privilégio quando se trata do direito de viver. Do direito de não interromperem sua vida. No caso do menino de 4 anos, sua breve vida.
Eu sei que você sabe, também, que ele não morreu de qualquer jeito. Uma criança, um ser humano indefeso, foi torturado e morto por alguém que não conseguiu resolver uma situação utilizando as palavras. O alguém que aprendeu a subjugar. O alguém que atende pela alcunha de Jairinho. Não deve ser à toa que lhe chamam no diminutivo. Não o diminutivo que se refere à infância, mas de um ser reduzido, diminuto, insignificante.
O caso do menino de 4 anos diz muito sobre Jairinho. O que dizem os 350 mil mortos sobre o Jair? Temos ciência de que jairinho fez outras vítimas. Da mesma forma sabemos que a morte não é novidade na proposta do Jair. O que eles têm em comum, além da semelhança do nome e do apoio mútuo? São homens, brancos, ricos e poderosos, que tiveram oportunidade de experimentar a infância, inclusive, com muitos privilégios. São sujeitos que poderiam custear suas sessões de terapia. São pessoas que tiveram acesso ao novo testamento, parte do livro que ambos dizem seguir. Não por acaso, nele está escrito que a maior prova de caridade é DOAR a vida pelo outro.
Não foi o Cristo crucificado por covardes influentes? De Jair a Jairinho, seguimos vendo a tortura e a morte dos vulneráveis em nome do
Deus que prega o amor, que tem a palavra como espada e diz que o reino dos céus pertence aos que são semelhantes às crianças.
Claudia de Medeiros Lima – Pedagoga no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia.