Wagner Gomes e Juruna
A formação de frentes político-partidárias para que o Brasil possa, nas eleições de 2022, unir forças para retomar um projeto nacional de desenvolvimento é um assunto que está na ordem do dia. Integramos tal esforço, buscando investir nele o que há de melhor das instituições que representamos.
Falamos em retomar um projeto nacional de desenvolvimento porque qualquer ação com esse viés entrou em declínio com o governo de Michel Temer e a perseguição ao movimento sindical. Foi enterrada de vez com a vitória de Jair Bolsonaro em 2018.
A eleição de Bolsonaro foi um grande sinal de alerta sobre o qual precisamos nos debruçar. É nossa tarefa tentar decifrar as razões políticas e sociais desse desastre histórico.
Nem mesmo o neoliberalismo, modelo a que nos contrapomos contundentemente, Bolsonaro foi capaz de implementar. Ele, que se elegeu sob a bandeira neoliberal, com seu Chicago Boy à tiracolo, empurra com a barriga, ao sabor seus humores e, sobretudo, dos seus interesses particulares, uma gestão sem qualquer definição política.
O fato de ele demonstrar publicamente um caráter individualista, preconceituoso, insensível e mesquinho não é o maior problema. O problema é ele ter sido eleito mesmo deixando claro para o país quem era. Deixando claro que não se importava com a população mais vulnerável economicamente, com os trabalhadores, com as mulheres, com os negros, com a luta pelos direitos dos homossexuais, ou seja, com qualquer setor da sociedade que careça de políticas públicas.
O problema é o fato de ele, que mais parece um antipresidente, por sua postura antissocial, ter sido eleito o presidente. É um verdadeiro contrassenso. E isso nos leva a questionar por que o povo brasileiro, sofrido, aguerrido e trabalhador, escolheu, em sua maioria, Jair Bolsonaro. Existem questões mal resolvidas aí. Questões da nossa história recente.
Entendemos que as manifestações de 2013 foram um marco a partir do qual foi deflagrada uma ofensiva pretensamente anti-política, contra os movimentos sociais, por alguns setores específicos, contrariados com a duração de um governo de centro-esquerda. Esse processo tem na operação Lava Jato sua maior expressão. A partir dela, forças com alto poder de persuasão criaram um consenso que condenava a classe política, os sindicatos, e qualquer militância organizada.
Ato contínuo, a despeito dos interesses que alimentaram tal ofensiva, a maior parte do povo, do eleitorado, projetou na imagem de outsider de Jair Bolsonaro a resposta para essa massiva campanha de condenação à política e aos movimentos sociais. Bolsonaro é, nesse sentido, a forma como tal eleitorado traduziu a Lava Jato.
Hoje, após mais de 2 anos de seu governo, e com o agravante de uma terrível pandemia que se instalou em todo o mundo, está mais do que claro que, quaisquer que tenham sido os objetivos que moveram a insuflação das manifestações de 2013, o marketing em torno da Lava Jato e a perseguição à política, em especial à esquerda e aos movimentos sociais, resultaram em uma retumbante catástrofe. Catástrofe sanitária, primeiramente, mas também econômica, social, cultural, ambiental e humanitária.
Por isso tudo, pela insustentabilidade da situação, como dissemos no início, precisamos conversar seriamente sobre frentes político-partidárias para que o Brasil possa, em 2022, unir forças para retomar um projeto nacional de desenvolvimento.
Essa união, entretanto, requer mais do que um compromisso, requer um pacto social. Ela deve se basear em ideias convergentes de diferentes espectros políticos para um projeto que contemple, em linha gerais, geração de empregos decentes, valorização do salário mínimo, valorização dos serviços públicos, especialmente o SUS, incentivo às empresas, com destaque para as micro e pequenas, políticas afirmativas de inserção social, participação nos acordos e nas decisões globais de preservação ambiental etc.
Entendemos que uma frente restrita a partidos de esquerda não só não contemplará o conjunto dos interesses nacionais como corre o risco, que não podemos correr, de não se viabilizar eleitoralmente. Mais do que a viabilidade eleitoral, nos perguntamos se uma frente restrita conseguirá implementar um governo forte com o qual trabalhadores, empregadores, empreendedores, pesquisadores, ou seja, todos os setores da sociedade, todos os brasileiros, se sintam representados.
Uma frente ampla, por sua vez, não pode se resumir a um grupo de políticos interessados em ter mais chances de ganhar. Não pode ser um bolão de loteria. A frente ampla deve atrair políticos e personalidades que não sejam guiados por interesses mesquinhos. Mas que estejam interessados no bem no Brasil. No crescimento do Brasil. No retorno do Brasil ao topo dos bons indicadores mundiais.
Uma frente ampla, em outras palavras, deve ter como eixo um projeto nacional amplo e representativo, incorporando partidos de esquerda, de centro e até, em alguns casos, de centro-direita. Deve atrair as melhores personalidades da política, da intelectualidade, da economia, do empresariado, dos movimentos sociais e da cultura.
Esse compromisso poderá blindar o país de brechas para movimentos escusos, suspeitos, nocivos e regressivos, como as que se abriram em 2013.
Entendemos que a volta de Lula para o cenário político, com a possibilidade de ele se candidatar, mudou a situação e a configuração de uma possível frente ampla. Mudou para melhor, em nossa opinião. Acreditamos que Lula é a figura capaz de aglutinar as tais melhores forças sociais as quais nos referimos. E sua disposição em ser amplo ficou clara em seu discurso após a decisão do STF sobre sua elegibilidade. Ele disse:
“Vejo muita gente falar de frente ampla, com PC do B, PT, Psol, PSB. Isso é uma frente de esquerda, não tem nada de ampla. Isso a gente faz desde 1989. Frente ampla é se a gente tiver capacidade de conversar com outras forças que não estão no espectro da esquerda. É possível? É”.
Sua postura resgata os princípios que o levaram à vitória nas eleições presidenciais em 2002, com o empresário José de Alencar, como vice. E o exemplo de Alencar nos alerta para o fato de que a amplitude de uma chapa deve estar representada no programa, no candidato e no vice. Nessa conversa não é uma postura democrática falar em alianças no 2º turno. A aliança deve ser construída desde o início e deve garantir que permaneça no exercício do governo.
Os sinais para uma composição como esta estão colocados. Enquanto Lula discursava no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, escreveu no Twitter:
“Você não precisa gostar do Lula para entender a diferença dele para o Bolsonaro. Um tem visão de país; o outro só enxerga o próprio umbigo. Um defende a vacina, a ciência e o SUS; o outro defende a cloroquina e um tal de spray israelense. Um defende uma política externa independente; outro defende a subserviência. Um defende política ambiental; outro a política da destruição. Um respeita e defende a democracia; o outro não sabe o que isso significa. Um fundou um partido e disputou 4 eleições; o outro é um acidente da história. Tenho grandes diferenças com o @LulaOficial, principalmente na economia, mas não precisa ser petista fanático para reconhecer a diferença entre o ex-presidente e o atual”.
Ou seja, assim como dissemos no início, Maia expôs em seus tuítes que o atual mandatário esvazia e desmoraliza a instituição da presidência da República.
Nesse contexto, a convergência em torno de um projeto nacional de desenvolvimento é a tarefa que se impõe para todos aqueles que se sentem comprometidos com a situação do nosso país. As diferenças internas, as disputas por espaço e por poder, devem, neste momento de urgência, ficar em segundo plano. Não que elas não tenham importância. Elas têm, mas podem ser melhor trabalhadas e resolvidas em uma situação de normalidade política. Não é esta a situação que o Brasil vive agora.