A pandemia do novo coronavírus está em fase de aceleração nos pequenos municípios do País. Graças, sobretudo, à pobreza e à estrutura precária de atendimento à saúde, as mortes por Covid-19 têm crescido mais rapidamente nesses municípios de menor porte. Com isso, a população pobre e miserável está com a vida cada vez mais em risco.
Quando o Brasil atingiu 100 mil óbitos decorrentes da pandemia, em agosto de 2020, mais da metade (51,4%) das mortes se concentrava em cidades acima de 500 mil habitantes. Outros 15,5% eram de cidades com até 50 mil habitantes.
Porém, em janeiro deste ano, quando o país bateu 200 mil mortes, a participação das cidades grandes nessa segunda centena de milhar de óbitos caiu para 39,4%, enquanto os municípios menores passaram a representar 23,1%.
O crescimento das mortes em cidades pequenas é um processo natural, segundo Roberto Kraenkel, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp e membro do Observatório Covid-19 BR. “Não existe nenhuma medida sendo tomada que evite a interiorização da pandemia e, assim, da doença e das mortes”, afirma.
Segundo Samuel do Carmo Lima, coordenador do Laboratório de Geografia Médica e Vigilância em Saúde da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), os óbitos chegam “atrasados” às cidades menores porque o ciclo pandêmico começou mais tarde nesses locais. “Enquanto cidades grandes já estavam com muitas infecções, várias menores não tinham nenhum caso. Dois ou três meses depois é que começa efetivamente nas cidades com menos de 50 mil habitantes”, diz o professor, que analisou a difusão da Covid-19 na rede urbana de Minas Gerais.
Nas cidades pequenas, as “oportunidades” de aglomerações tendem a ser menores, especialmente no transporte público. Mas algumas poucas pessoas contaminadas já podem estabelecer uma relação percentual importante, diz Lima. “Em alguns lugares, dez pessoas contaminadas viram um surto.”
Embora a chegada da doença às cidades pequenas fosse esperada, Kraenkel chama a atenção para a complexidade do “fenômeno da mortalidade”. Os óbitos por Covid-19 não são só proporcionais às pessoas que adoecem, diz ele. Existe um “acréscimo de mortalidade”, por exemplo, pela falta de serviços públicos. “A interiorização da doença se dá pela movimentação, mas a porcentagem de pessoas doentes que virão a falecer pode depender de uma série de condições socioeconômicas”, afirma Kraenkel.
Na Bahia, a Superintendência de Estudos Econômicos Sociais do Estado (SEI) percebeu que, embora a zona cacaueira (onde estão Ilhéus e Itabuna) seja menos urbanizada e adensada do que a região de Salvador/Camaçari, sua taxa de contaminação para Covid-19 até setembro era muito superior – 40 infectados a cada mil pessoas, ante 28.
“Existem outros fatores, mais qualitativos. Essa é uma das regiões mais críticas da Bahia do ponto de vista social, de indicadores de vulnerabilidade. Investiu-se muito pouco em educação e a pobreza gerada pela crise do cacau foi enorme”, diz Edgard Porto, diretor de estudos da SEI.
Na região amazônica, por sua vez, dinâmicas relacionadas à natureza – como o transporte fluvial – são fundamentais para se pensar o acesso de cidades menores à saúde, afirma Natacha Aleixo, professora do departamento de geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “Temos a maior média de deslocamento para tratamentos em serviços de saúde de alta complexidade. São distâncias, às vezes, superiores a mil quilômetros. Precisaríamos de mais helicópteros, UTIs móveis. É por isso que muitas pessoas estão morrendo em casa.”
Membro da Rede de Geógrafos para Saúde, Natacha participou de estudo sobre a difusão da Covid-19 nas cidades amazonenses. Todos os 62 municípios do estado registram óbitos pela doença. Para Natacha, a situação é “bastante preocupante” nas cidades do interior. A precariedade de serviços de saúde mais complexos é grande, mas até mesmo na atenção básica há deficiências, como no programa Saúde da Família. “Quando não tem acompanhamento da população mais vulnerável de perto, o agravamento ocorre”, afirma ela.
O ritmo de crescimento das mortes nas cidades pequenas vai depender da compreensão que os gestores tiverem da pandemia, diz Lima. Para ele, a lógica tem sido muito focada nos leitos. As cidades que, por sua vez, compreenderem ser primordial fazer prevenção, devem se sair melhor. Além disso, em cidades menores, “dar o exemplo” importa ainda mais. “Municípios pequenos ficam olhando para o governo federal e as grandes cidades. Mas, em nível federal, nunca tivemos uma orientação efetiva.”
Com informações do Valor Econômico
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