Por Pedro Stropasolas | Brasil de Fato
Sem ações efetivas por parte do governo federal para reduzir as desigualdades, o combate à fome nas periferias tornou- se uma tarefa dos movimentos sociais e de entidades da sociedade civil em 2020.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018, 10,3 milhões de brasileiros passam o dia sem fazer todas as refeições. O quadro foi agravado pela pandemia da covid-19 e fez o país voltar ao Mapa da Fome, onde não estava desde 2014.
Na semana passada, o país caiu cinco posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, passando da 79ª para a 84ª posição, entre 189 países avaliados.
Nesse cenário, que tende a se agravar com o fim do auxílio emergencial, a solidariedade é cada vez mais necessária e ganha um papel de maior destaque no período natalino.
Natal sem Fome
A campanha Natal Sem Fome, uma das maiores e mais antigas ações contra a fome da América Latina, espera arrecadar 10 milhões de reais para a compra de alimentos.
Realizada desde 1993 pela ONG Ação da Cidadania, que foi fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a campanha já ajudou mais de 20 milhões de brasileiros durante a época do Natal. A iniciativa retomou suas atividades em 2017, após dez anos de interrupção por conta da redução dos índices de pobreza no país.
“O problema da fome, o problema da miséria não é uma questão de milhões de reais, é uma questão de bilhões de reais, e que só o governo tem capacidade de fazer isso através de políticas públicas. A sociedade civil não tem, por mais que se esforce, que tenha conseguido essa ano um feito gigantesco, ela não faz nem cócegas no que o Auxílio Emergencial faz em relação à economia”, opina Rodrigo Afonso, coordenador da Ação da Cidadania.
Com o lema “Quem tem fome, tem pressa”, as ações iniciaram nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal ainda em outubro, durante as jornadas do Dia Mundial da Alimentação.
Para Afonso, o Natal Sem Fome é hoje, acima de tudo, uma plataforma de mobilização social.
“É uma campanha da sociedade, que a gente articula, mas que a gente quer que a sociedade se aproprie cada vez mais dela, e que se torne um instrumento não só de transferência de alimentos neste período do ano, mas de conscientização geral da população em relação à questão da fome”, define.
No Brasil, as políticas adotadas por Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo seu antecessor, Michel Temer (MDB), foram determinantes para os retrocessos observados hoje no tema da segurança alimentar.
Medidas como a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o desmonte dos programas institucionais de compra de alimentos, ajudam a compreender a situação atual.
Toneladas de alimentos doados pelo MST
Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE divulgada este ano, 44% das famílias rurais brasileiras convivem com a insegurança alimentar.
Ceres Hadich, que compõe a direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) avalia que a volta do Brasil ao Mapa da Fome não se explica apenas pela crise sanitária, mas também pela falta de um projeto de soberania no país.
“A gente não tem mais políticas públicas voltadas à nossa segurança alimentar, muito menos uma política de soberania alimentar, de segurança nacional, que poderia garantir a nós, brasileiros e brasileiras, tanto no campo como na cidade, o nosso direito básico e digno a uma alimentação saudável”, aponta Hadich, que vive no assentamento Maria Lara, no norte do Paraná.
Em 2020, somente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi responsável pela doação de 3,8 mil toneladas de alimentos saudáveis e 700 mil marmitas desde a chegada da covid-19.
O Paraná foi um dos estados com ações mais expressivas, que continuam no período natalino, como a entrega de Cestas Agroecológicas Natalinas e a “Cesta Esperança” para 2 mil famílias em situação de vulnerabilidade na região de Curitiba.
“Para nós o ano de 2020 foi revelador no sentido de se reconectar com o povo. Essas nossas ações de levar a comida e levar junto com a comida a esperança, principalmente nas periferias, nos colocou nessa posição de voltar a escutar, voltar a saber o que o povo quer. Além da comida diversa, boa, saudável, do que mais o povo precisa? E a gente quer continuar esse diálogo em 2021. Uma certeza que nós temos é que o povo brasileiro precisa voltar a se sentir no direito de sonhar”.
Periferia viva
Em âmbito nacional, as ações do MST estão integradas com a campanha Periferia Viva, criada pelos movimentos sociais para responder à omissão do governo em meio à corrosão dos índices sociais no país.
Durante o Natal, a campanha organiza iniciativas em todo o Brasil, com destaque para a ação da Escola Paulo Freire nas comunidades Boqueirão e Jardim São Savério, em São Paulo. Também ocorrem a Missão Carrocinha, em Alagoas, o Sopão em Londrina (PR) e o Natal Solidário, no Distrito Federal.
Fernanda Schutz, que faz parte do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), avalia que a solidariedade continuará a ser uma prática em 2021 – um ano que, na opinião da militante, deverá ser marcado pelo aumento dos preços e do desemprego.
“Voltar para o Mapa da Fome, cair cinco degraus no IDH, isso vem demonstrando que não é por acaso. Existe uma ação direta do Governo Federal que não executa o que tem que executar. Além do trabalho de organização, a gente vai ter que repensar nosso processos de luta. Em um momento de pandemia, como é que vamos para a rua? Não podemos ser irresponsáveis como o atual presidente é. Nós temos responsabilidade e queremos nosso povo vivo, queremos nossa Periferia Viva” aponta Schutz.
Edição: Raquel Setz
Fonte: Brasil de Fato