Quem ganha com a redução da maioridade penal?

Por Marcos Aurélio Ruy

A prática do desgoverno de Jair Bolsonaro não muda. Toda vez que o calo aperta para o seu lado ou de seus filhos, vem uma bomba. E a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves está sempre pronta para agir em socorro.

Desta vez a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) – pasmem – vinculada ao ministério tirou da cartola a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2019 para reduzir a maioridade penal para 14 anos em casos de crimes mais graves e 16 anos para os outros crimes. Adivinhem quem é um dos autores dessa PEC? Ninguém menos do que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), envolto em acusações de ilícitos diversos.

Como informa Leonardo Sakamoto em sua coluna no UOL, “a manifestação é assinada por Emilly Rayanne Coelho Silva, secretária nacional de Juventude e por Mayara Lopes Gonçalves, sua chefe de gabinete, através da nota técnica número 132/2020. A SNJ foi chamada a se pronunciar porque compete a ela articular programas e projetos, em âmbito federal, que impactam a vida de jovens entre 15 e 29 anos”.

Seria cômico se não fosse profundamente trágico a solução que buscam para a juventude pobre. “Curioso notar a alegação deles de que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) fracassou e o sistema penitenciário não funciona, quando clamam por penas draconianas e regimes prisionais mais severos”, afirma André Treddinick, juiz da Família, no Rio de Janeiro. “Então por que acreditam que prender meninos e meninas de 14 anos com criminosos adultos vai resolver o problema da violência?”

Luiza Bezerra, secretária da Juventude Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) acentua que “o Brasil já tem suas prisões lotadas – é o terceiro país com maior população carcerária do mundo, com mais de 770 mil presos – e em condições degradantes”. Como é “o caótico sistema prisional brasileiro, encher mais ainda as prisões e com adolescentes não é a saída para acabar com a violência e combater o crime organizado que avança no país”.

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Porque estudos comprovam “a ineficácia dessa linha punitivista, baseada na vingança. Inclusive porque pessoas que até então não eram do crime organizado, uma vez dentro das penitenciárias, passam a fazer parte das facções e os mais jovens serão aprendizes dessas organizações”, reforça.

O juiz André argumenta que “as penitenciárias brasileiras são controladas pelo crime organizado e tornar o sistema prisional federal é mais um absurdo para degradar ainda mais a situação e não resolver nada” porque eles criaram esse sistema para “combater a criminalidade”, mas “acabaram nacionalizando e aglutinando várias organizações criminosas que passaram também a atuar de forma transnacional”.

Além disso, “a maioria absoluta dos crimes cometidos pelos jovens são pequenos delitos e não se pode formular uma lei com base na exceção dos crimes mais violentos”. Principalmente porque “se fosse só mudar a lei para acabar com a criminalidade essa já teria atingido índices melhores há muito tempo. O que não ocorreu”, ressalta André.

Em nota a SNJ afirma que “o afastamento do jovem delinquente da sociedade, por meio do cárcere, acarreta em uma sensação de segurança, pois quanto maior o tempo que o autor de um ilícito penal permanecer preso, maior será também o tempo que a sociedade poderá sentir-se protegida”.

Como disse André acima essa afirmação é uma verdadeira fake news porque o crime organizado atua de dentro das prisões. “A violência só cresce no Brasil e as prisões estão lotadas. A letalidade policial é uma das maiores do mundo, comprovando a ineficácia de se reduzir a maioridade penal”, diz o juiz.

O advogado criminalista e professor titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Alamiro Velludo afirma a Sakamoto que o fracasso da ressocialização social “faz com que não se tenha expectativa nem da reintegração de jovens, nem de adultos. Como consequência, a única coisa que resta à sanção penal é uma dimensão de castigo, de vingança” porque “esse tipo de argumento acaba enxergando nos jovens, principalmente os da periferia, um foco de perigo, um inimigo, que deve ser retirado da sociedade”.

Luiza é contra essa visão e defende a inclusão “da juventude em políticas de trabalho e renda, com forte investimento em educação” para “combater a precariedade a que está relegada grande parcela dos jovens que estão sem trabalho e sem escola”.

Além disso, “é preciso garantir espaços de realização para a juventude com cultura, esporte, saúde e a possibilidade de uma vida digna. Reduzir a maioridade penal favorece apenas o crime organizado e os defensores da privatização dos presídios, que visam ganhar dinheiro do Estado para prender adolescentes, tirando-lhes a chance de mudar de vida”, conclui.