Reforma Tributária: a Imunidade do Papel e Jorge Amado

Por Luiz Carlos Prestes Filho –

A reforma tributária que tramita no Congresso Nacional não reconhece a importância do soft power para o desenvolvimento econômico nacional e para presença do Brasil no mundo globalizado. Exemplo, a proposta de acabar com a imunidade fiscal de livros, jornais e revistas, existente há 74 anos.

O debate promovido pelos editores menciona a importância do livro como produto de difícil acesso. O presidente da Câmara brasileira de livro (CBL), Vitor Tavares, em recente entrevista ao jornal “O Globo” disse que: “Tanto pelo baixo índice de leitura quanto pela produção aquém do ideal, o impacto de uma nova contribuição será terrível e certamente provocará aumento de preços.” No mesmo jornal o presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL), Marcos da Veiga Pereira afirma que o efeito será devastador: “O livro tem que ser visto como bem essencial.”

Quando estudei as cadeias produtivas da cultura constatei:

(1) Ausência de estudos regulares setoriais. O que não acontece com a soja, açúcar, café, carnes, gás e petróleo, para citar alguns itens da nossa balança comercial. As poucas pesquisas existentes são corporativas e não influenciam a definição das políticas públicas nacionais. A cultura é uma atividade periférica até mesmo nas federações das indústrias, federações de comércio e associações comerciais;

(2) O Estado não conseguiu reestruturar sua política de desenvolvimento, considerando e agregando o importante crescimento das cadeias de serviços. Essas duas questões devem ser encaminhadas para o Ministério da Fazenda e para as comissões do Congresso Nacional que analisam o conteúdo da reforma pretendida. Devemos debater esses temas que podem ser vitais para o país durante negociações bilaterais e definição de acordos com blocos econômicos. Aqui, volto a destacar que o soft power brasileiro poderia viabilizar ações estratégicas nas políticas de comércio exterior, impactando positivamente a balança comercial.

O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) precisam de matrizes regulares e constantes, confiáveis e representativas, para poder encaminhar políticas publicas que atendam as necessidades imediatas da população e de empresas. Como essas matrizes são dispersas e inconstantes, acontecem impedimentos administrativos. Os burocratas enfrentam dificuldades para aceitar argumentos pouco técnicos. Argumentos que nunca serão visualizados naqueles bancos de dados que definem os rumos da nossa economia.

Temos que desenvolver estudos de cadeias produtivas culturais para atender, de maneira articulada, os encaminhamentos dos editores de livros, jornais e revistas. E no futuro próximo das produtoras de teatro; dança; carnaval; artes plásticas; música; literatura; televisão; rádio; audiovisuais; e filmes. A legislação tributária atual não visualiza a centralidade da cultura. Isso faz com que deputados e senadores, não consigam entender o que significa – economicamente falando – que “o livro tem que ser visto como um bem essencial.

A cultura é atividade estruturada, principalmente, em cadeias produtivas de serviços. Isso obriga os interessados a buscar um intenso diálogo com todos os setores indiretos. Sem isso, isoladamente, será impossível a estruturação de uma política a longo prazo.

Seria uma injustiça neste artigo não lembrar que a imunidade tributária, prevista no art. 150, inc. VI, alínea ‘d’, da CF/88, surgiu na Constituição de 1946. Seu autor foi o então deputado federal e escritor, Jorge Amado. Como membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) ele apresentou essa lei como estratégia para garantir a liberdade de expressão. A desoneração constitucional foi estabelecida não somente para a difusão da cultura e da leitura ou para diminuir os custos da produção de livros. Veio, principalmente, para garantir a democracia, impedir a censura. Sim a censura!

Estávamos saindo do Estado Novo que prendeu, torturou, assassinou e desapareceu com milhares de patriotas entre os anos de 1937 e 1945. Regime fascista que perseguiu e censurou metodicamente jornais, revistas e editoras de livros. O deputado Jorge Amado, vítima direta das arbitrariedades, entendeu que a ordem de um simples aumento de impostos, poderia inviabilizar as frágeis editoras progressistas que voltavam a publicar livros comprometidos com as lutas e as organizações populares, partidárias e sindicais.

Penso que, considerando o baixo poder aquisitivo da população e as dificuldades financeiras enfrentadas pelas editoras atualmente, o fim da imunidade do papel seria uma forma de censura. Por tanto, o escritor Jorge Amado é atual não somente pela sua obra original, mas pela sua visão de legislador, comprometido profundamente com a democracia.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).

Foto: Jorge Amado durante comício em 1946 (Reprodução: arquivo/Google)

Fonte: Tribuna da Imprensa Livre