De acordo com dados divulgados nesta quarta-feira (3) pela agência de notícias Associated Press mais de 9 mil pessoas foram presas em oito dias de protestos contra o racismo nos Estados Unidos. As manifestações começaram em 25 de maio após o assassinato de George Floyd, um trabalhador negro sufocado por um policial em Minneapolis, se alastraram para dezenas de municípios e estados e também foram realizadas em outros países.
Potência hegemônica no mundo capitalista, tida como exemplo de democracia liberal e venerada pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro e seus seguidores, os Estados Unidos são hoje uma pálida sombra do gigante que emergiu da Segunda Guerra Mundial e liderou a economia mundial durante a segunda metade do século passado.
Os fatos e imagens divulgadas na mídia e redes sociais em meio à pandemia do coronavírus retratam um país em decadência, afogado nas contradições do capitalismo e do neoliberalismo, atormentado com o desenvolvimento impetuoso da China e com o próprio declínio, que é incapaz de reverter.
Sem moral
Os EUA estão acostumados a ditar regras morais ao mundo e bombardear nações mais pobres (Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão, Somália, Vietnã, Coreia) em nome da democracia, da liberdade e de outros nobres ideais. Em contraste, os fatos mostram que o governo estadunidense, conivente com o racismo e empenhado em reprimir duramente a revolta popular em seu próprio território, não tem moral para falar em Direitos Humanos e democracia, conforme notou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, María Zajárova.
O assassinato de George Floyd expôs o caráter racista do capitalismo americano, as profundas desigualdades sociais que dilaceram a sociedade e a real natureza do Estado liderado pelo bilionário de extrema direita Donald Trump. O governo serve aos interesses dos grandes capitalistas e, como o de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes no Brasil, não dá muita bola para os dramas da classe trabalhadora e dos mais pobres, agravados pela pandemia do novo coronavírus.
Campeão mundial
A inércia e o liberalismo que caracterizaram a reação inicial da Casa Branca à doença provocaram uma tragédia sanitária, econômica e social. Na última terça (2) o número total de casos confirmados da Covid-19 nos Estados Unidos alcançou 1.802.470. O número de mortes chegou a 105.157, conforme dados divulgados pelo Centro para o Controle e Prevenção de Doenças Americano.
Desta forma, o bambambam do Ocidente é hoje o campão mundial das infecções e mortes pelo vírus. O número de óbitos causado pela “gripezinha” de Bolsonaro no país é superior à soma de mortos em todas as tragédias recentes dos Estados Unidos: as guerras do Vietnã e da Coreia, os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e em Washington, o furacão Katrina, em 2005.
É emblemática a comparação com a China, grande rival dos imperialistas americanos na corrida pela liderança da geopolítica global. Com uma população em torno de 1,4 bilhão de pessoas, mais de quatro vezes maior do que a dos EUA (cerca de 330 milhões), o país asiático que registrou o primeiro caso da doença no mundo, no final do ano passado, somava 4.634 óbitos por Covid-19 até o início deste mês.
Isto não ocorre por acaso, mas fundamentalmente pela natureza das respostas dos dois regimes políticos à crise sanitária. Os comunistas chineses deram prioridade à defesa da vida e tomaram medidas drásticas, mesmo que à custa de prejuízos econômicos inéditos. Contiveram a pandemia e agora podem focar com mais tranquilidade na recuperação econômica, ao contrário dos EUA.
Morte e neoliberalismo
A ausência de um sistema público de saúde ajuda a explicar a alta letalidade da doença na terra do Tio Sam, onde a área é monopólio da iniciativa privada. A saúde foi transformada totalmente em mercadoria nos Estados Unidos, concretizando um sonho dos ideólogos neoliberais.
É uma mercadoria cara à qual dezenas de milhões de americanos, pertencentes à classe trabalhadora, não têm acesso e quem não tem dinheiro para bancar atendimento médico nesse momento pode estar condenado à morte.
Economia
Os estragos na economia só encontram paralelo na Grande Depressão (1929/1933). O PIB encolheu 5% no primeiro trimestre do ano. A taxa de desemprego pulou para 14,7% em abril. O número de trabalhadores e trabalhadoras que solicitaram seguro-desemprego devido à crise do coronavírus ultrapassou 40 milhões no dia 28 de maio. O cenário deve piorar ao longo dos próximos meses.
Negros e latinos
O racismo e a xenofobia são dois destacados ingredientes do capitalismo estadunidense, que de democrático só tem a retórica. Isto transparece no fato de que negros e latino-americanos são os que mais sofrem com a crise sanitária, o desemprego em massa e a degradação dos postos de trabalho, fenômeno que antecede a atual crise.
Menos de um quinto dos trabalhadores negros e menos de um sexto dos migrantes latinos-americanos conseguem trabalhar em casa durante o isolamento vigente nos estados e municípios. Nos serviços considerados essenciais, como supermercados e drogarias, esses trabalhadores permanecem obrigados a trabalhar sob condições inseguras e ganhando pouco.
Negros e latinos-americanos são as maiores vítimas do coronavírus. Dados divulgados pela prefeitura de Nova Iorque revelam a taxa de mortes para cada 100 mil pessoas é de 10,2 para a população branca, mas sobe a 22,8 entre latino-americanos e 19,8 entre os negros.
A concentração da renda é recorde na história do país: 1% dos mais ricos acumula 20% da renda, enquanto metade da população tem de se virar com 12,5%.
Este é o pano de fundo da conjuntura social conturbada que presenciamos na capital mundial do capitalismo. É a realidade de um sistema econômico que caducou, mas ainda não encontrou seus coveiros, e de uma ordem mundial que embora condenada pela história agoniza e resiste intensificando as agressões contra os povos de todo o mundo, incluindo dos próprios EUA, e as ameaças de guerra contra a China e a Rússia, ressuscitando temores e fantasmas da guerra fria.
Umberto Martins