Por Mônica Custódio
Seria lindo, se não fosse trágico, no mês das mães, o ser de maior símbolo da vida, da solidariedade, do cuidar, da prosperidade, da continuidade. Ser mãe é para sempre, nesta e em qualquer outra vida, no tempo e no espaço e em tempos de Covid-19, tudo isso parece virar poeira.
Você mãe, que é filha, irmã, companheira, amiga, sabe que nós estamos de pés e mão atadas, não podemos fazer nada. Está tudo nas mãos do Estado, Estado mínimo, em todos os níveis. Menos na sua função de controle social, onde a necropolítica é o Estado forte.
Essa é uma dor de todas e todos nós, mais como somos nós negras e negros, maioria dessa população, é que vivemos ainda mais essa impotência. E o que fica? Fica a tristeza, o choro, a desolação daquela que teve que enterrar seu ente querido, que em números deste 13 de maio, supera as 12 mil mortes, muitas poderiam ser evitadas se tivéssemos um presidente de fato. Dialogando a partir do meu lugar de pertencimento, meu território, o Rio de Janeiro, presenciou ontem a partida de quem mal tinha chegado, um bebê de 8 meses apenas. Que mãe tem condição de suportar uma tragédia dessa?
Esse mês no qual completamos uns 60 dias de “isolamento” (ponto nevrálgico), onde sensivelmente percebe-se uma estratificação social econômica, por que, isolamento é para quem pode. Porque o capitalismo destruidor de vidas não cede para que todas e todos possam ficar em casa tranquilamente, recebendo os seus salários ou o auxílio aprovado pelo Congresso. E o desgoverno Bolsonaro não faz nada para distribuir ajuda humanitária aos que mais precisam e não têm como ganhar o seu pão durante a pandemia.
Percebe-se também um outro elemento de dor e disfunção hormonal, emocional, social e histórico, fortalecendo na contramão da história da emancipação uma cultura, um modo que é a violência contra a mulher, que cresce absurdamente em tempos de confinamento, chegando a marca de quase 50% de acordo com Instituto Maria da Penha, pelas informações da Comissão Mista do Senado, em São Paulo o crescimento é da ordem de 30%, e no Rio de Janeiro, o absurdo é de 50%.
Um exemplo dessa brutalidade é que a Polícia Militar do Rio puniu com pena leve o cabo reincidente em violência doméstica, flagrado em vídeo em um novo caso.
A luta contra a violência doméstica definitivamente é parte essencial nessa guerra contra o patriarcado, é onde pode se materializar o golpe final. Essas mulheres estão no primeiro pelotão, na ponta de lança da resistência. A mãe de todas as batalhas.
Como manter o “sonho” de casar, ser mãe, constituir família em uma sociedade que na sua característica predominante despreza, desqualifica e desumaniza esse ato tão simbólico e tenaz? Como manter o corpo e a mente sãos diante de um desgoverno, um genocida, um lesa-pátria, um extremista vulgar, sociopata, nazista?
Que análise podemos fazer diante deste 13 de maio?. Seria o início do fim de todos os tempos da política tradicional? Esquerda, Direita, Centro? Seria o tempo da presteza e de buscar entre o certo e o justo um novo caminho? Seria essa uma forma de reparação política, histórica socioeconômica e cultural dessa estratificação de gênero, raça e classe, que foi e é cimento humano na constituição dessa pirâmide econômica e social.
Que tipo de resistência podemos oferecer para manter viva a solidariedade e a fraternidade? Que tipo de luta podemos fazer para nos mantermos vivos? O que podemos produzir para além do consumo? Que tipo de humanos conseguiremos ser diante da perda da ternura?
13 de maio, dia dos Pretos Velhos (Salve!), dia da Abolição, Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. Neste dia de tanto simbolismo, quero parafrasear uma ação da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), é hora de darmos “Um Passo Adiante”.
Um Passo Adiante, é ter a justeza de uma ação conjunta pela vida, já que todas as vidas importam. Significa termos o entendimento que a luta macropolítica e macroeconômica contra o capitalismo, está nessas vertentes, nestas estratificações, reconhecidas pelo movimento social, mas não compreendida pelas organizações partidárias, que acabam preferindo rotular as novas formas de luta e resistência de pós-modernismo ou identitário, de uma maneira desqualificante, demostrando um nível enorme de confusão ou falta de vontade pelo conhecimento do fato.
De toda forma, o que temos para hoje é uma frente tripla de batalha que tem na sua composição o Estado mínimo (de relação estratificada e estrutural), o governo nas suas três esferas (exercendo a biopolítica) de costas para o povo e a Covid-19 (exercendo a necropolítica), reduzindo a população executando a supremacia da “seleção natural”. Natural? Mentira.
Nas últimas duas semanas segundo o Portal Geledés, o número de negros mortos por coronavírus é cinco vezes maior no Brasil. Seriam esses dados resquícios da “Abolição” lenta, gradual e segura? Seria a materialidade do racismo estrutural?
Esses índices evidenciam ainda mais as desigualdades raciais em nosso país. A estrutura perversa se evidencia nos índices sociais, econômicos e de acesso à saúde, como o principal fator que explica as diferenças nas taxas de letalidade e infecção. Essa realidade está exposta nas comunidades/favelas do Rio, São Paulo e grandes metrópoles, onde a perspectiva de redução da letalidade pela infecção é nenhuma, faltam até a água e o sabão.
Mas a resistência, a solidariedade, o compromisso, o companheirismo, o humanismo predominam nas batalhas cotidianas que estarmos juntos travando nessa guerra contra as trevas do governo federal e o neofascismo.
Fora Bolsonaro!
Vidas pretas importam!
Salve os pretos velhos e as 13 almas santas e benditas!
Mônica Custódio é secretária de Promoção de Políticas de Igualdade Racial da CTB.