Por Marcos Aurélio Ruy
Os novos baianos jamais serão os mesmos. O Brasil perde o talento de Moraes Moreira, que morreu nesta segunda-feira (13), aos 72 anos, no Rio de Janeiro.
Moreira iniciou sua carreira no grupo Novos Baianos, que durou de 1969 a 1975. Além dele, integravam o grupo Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Luiz Galvão e Dadi Carvalho.
Adeptos do movimento hippie, os Novos Baianos viveram como pensavam e pensavam como viveram, tendo em Moreira um dos seus grandes talentos. Em sua carreira solo continuou a mesclar sons talvez impensáveis com forte influência dos Beatles, João Gilberto, tropicalismo, samba e música regional baiana. Legou importantes obras para o cancioneiro popular, eternizadas na memória de quem ama música.
Provavelmente entre os últimos hippies do Brasil, Moreira fez de sua arte a sua vida sem ceder a qualquer tipo de modismo para o sucesso fácil. Acabou Chorare, parceria com Luiz Galvão, de 1972, está entre as pérolas da música popular brasileira.
Ouça Acabou Chorare, de Luiz Galvão e Moraes Moreira
Em Ferro na Boneca, de 1970, denuncia os perigos vividos nos tempos mais duros da ditadura fascista implantada em 1964, que durou até 1985.
“Não, não é uma estrada, é uma viagem
Tão, tão viva quanto a morte
Não tem sul nem norte
Nem passagem
Não olhe, ande
Olhe, olhe
O produto que há na bagagem”.
Mas ao falar em Mores Moreira, é impossível não vir à mente a canção Preta Pretinha, de 1972. “ai, ai saudade não venha me matar”, diz verso da poesia. Mais transparente impossível “enquanto corria a barca”.
Preta Pretinha, de Moraes Moreira
Sua obra inconfundível fica para a eternidade. Como ele disse numa entrevista anos atrás: “Nossas canções resistiram a tudo e a todos, dando mostras de que vieram para ficar. Passada a euforia dos sucessos imediatos, elas ressurgem gloriosas, no gogó dos foliões, inteiras e renovadas pela juventude. Reforçam assim um conceito que tenho: um bom Carnaval se faz com passado, presente e futuro”.
Pombo Correio (1977), de Moraes Moreira, Dodô e Osmar
Em meio à pandemia da Covid-19, o país chora essa triste lacuna que fica na música popular brasileira, mas tem a ciência de que suas obras jamais serão esquecidas. Toda obra que tem valor torna o seu autor um imortal. Esse é o caso de Moraes Moreira.
Porque “se a vida fosse o meu desejo, dar um beijo em teu sorriso, sem cansaço e o portão do paraíso é teu abraço, quando a fábrica apitar” (Pão e Poesia, Fausto Nilo e Moraes Moreira; 1981). Felicidade é ter contato com tantos diferentes talentos que tornam a vida mais fácil de se levar. Axé Moraes Moreira.
Pão e Poesia, Fausto Nilo e Moraes Moreira
Circula pela internet a poesia Quarentena, de Moraes Moreira, com um brinde à vida, à liberdade, ao sonho, ao futuro.
“Eu temo o coronavírus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mais atenção
O sentimento é profundo
Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito
De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não violência
Toda noite e todo dia
Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
Às vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido
Até aceito a Policia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta
Com tanta coisa inda cismo…
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia
As coisas já foram postas
Mas prevalecem os reles
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres
O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não Tem tempo, nem idade”.