Por Marcos Aurélio Ruy. Arte de Quinho
Especialistas do mundo todo indicam o confinamento como a melhor maneira de evitar a rápida disseminação da Covid-19. No entanto, várias organizações não governamentais (ONGs)e a Organização das Nações Unidas (ONU) indicam um aumento da violência doméstica contra mulheres, crianças e adolescentes.
Preocupados com o aumento da violência doméstica no mundo, a ONU Mulheres e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) propõem algumas medidas preventivas como o treinamento de equipes de saúde, educação e serviços para crianças sobre a prevenção de exploração, abuso sexual e negligência e como denunciar as agressões, sem risco para quem denuncia.
Às mulheres e meninas as dicas são o compartilhamento com amigas, pessoas próximas ou vizinhas denunciando as agressões. Pode-se combinar um sinal (tipo um emoji) em caso de emergência, além de manter o celular sempre carregado e conectado à internet e “se tiver carro, deixar com gasolina, as chaves na ignição” para facilitar o caso de necessidade de fuga.
O problema já começa com a sobrecarga de trabalho crescente com o isolamento, pois “os homens não costumam dividir as tarefas domésticas no Brasil”, afirma Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Em nosso país, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado as mulheres dedicaram 18,5 horas semanais, em média aos afazeres domésticos e os homens 10,3 horas, além de haver mais de 11 milhões de mulheres chefes de família.
No caso da violência doméstica em si, que já é gigantesca, aumentou 17%, de acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O próprio ministério promete a ampliação do “alcance dos serviços do Disque 100 e do Ligue 180 para o meio digital com o lançamento do aplicativo Direitos Humanos Brasil e de portal exclusivo”.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 foram registrados 237.067 casos de violência doméstica em 2018 no país, um registro a cada 2 minutos. “Imagine em situação de confinamento domiciliar?”, questiona Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da CTB.
Para Celina, “o Estado deve tomar medidas urgentes de proteção das mulheres, crianças e jovens com facilitação de acesso aos canais de denúncia e amplo funcionamento dos órgãos de assistência e repressão ao crime de gênero, racial e contra a infância”.
A situação já era gravíssima antes do confinamento como mostra um levantamento feito pelo Datafolha, que aponta para a exorbitância de 16 milhões de mulheres acima de 16 anos terem sofrido algum tipo de violência, em 2018, sendo 3% ao se divertir num bar, 8% no trabalho, 8% na internet, 29% na rua e 42% em casa.
Lembrando ainda que em 2018 ocorreram 66.041 estupros, com 4 meninas de até 13 anos estupradas por hora e a maioria dentro de casa. Ocorreram também 1.206 crimes notificados como feminicídio com 88,8% deles cometidos por companheiros ou ex-companheiros.
“A situação já é alarmante e as mulheres precisam encontrar meios de se defender com apoio do Estado para coibir a violência e reprimir os agressores”, reforça Gicélia Bitencourt, secretária da Mulher da CTB-SP.
Ainda em 2018, o Ligue 180 recebeu 92.663 denúncias de agressões às mulheres. “Esse tipo de violência é fruto da sociedade patriarcal, amplamente machista e violenta contra a infância e a juventude”, afirma Luiza Bezerra, secretária da Juventude Trabalhadora da CTB. “Ser jovem no Brasil é um desafio constante”.
Para se ter uma ideia, o Atlas da Violência 2018 aponta para 324.967 jovens, entre 15 e 29 anos, assassinados no país entre 2011 e 2018, já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 mostra que a polícia matou 6.220 pessoas em 2018, sendo 99,3% homens, 77,9% entre 15 e 29 anos e 75,5% negros.
E para quem pensa que a violência doméstica afeta apenas as mulheres que não trabalham fora, 52,2% das vítimas são compostas por mulheres economicamente ativas, alerta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, de 2019.
“Todos os Estados devem fazer esforços significativos para lidar com a ameaça da COVID-19, mas sem deixar para trás mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, já que isto poderia levar a um aumento da violência doméstica, incluindo feminicídios provocados por parceiros”, alerta Dubravka Simonovic , relatora especial da ONU sobre Violência contra a Mulher.
Outra pesquisa feita pelo Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 536 mulheres foram agredidas fisicamente a cada hora com socos, empurrões ou chutes, em 2018 e apenas 52% das vítimas não denunciou o algoz. Isto sem o confinamento.
“É importante, neste momento, a promoção de intensas campanhas educativas aliadas aos mecanismos de proteção e de isolamento dos agressores com mais investimentos em políticas de prevenção e repressão à violência de gênero, acentua Berenice Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação.
Celina finaliza com insistência para o fortalecimento dos mecanismos de denúncia anônima. Ela assinala que o Brasil tem as tristes marcas de ser o quinto país mais violento contra as mulheres e o primeiro que mais mata LGBTs. “Todas as pessoas devem ter a segurança de denunciar esse tipo de crime, seja a própria vítima ou quem tenha conhecimento da violência”.