Como já era de se esperar, o Carnaval deste ano foi escrachadamente politizado. Motivos para isto não faltaram. O laranjal de Jair Bolsonaro deu farta munição para a gandaia. Fanatismo religioso, milicianos, fake news, trevas na cultura, racismo, machismo, homofobia – entre outras aberrações e regressões. Dos milhares de blocos de rua espalhados pelo país às escolas de samba na Marquês de Sapucaí, os foliões detonaram a “familícia” no poder. As emissoras de televisão, porém, evitaram dar maior destaque à politização momesca – algumas por mercenarismo e outras talvez para evitar maiores confrontos com o vingativo “capetão”.
Logo na abertura dos desfiles no Rio de Janeiro, no sábado (22), a Acadêmicos Vigário Geral, escola do Grupo de Acesso, apresentou uma escultura do palhaço Bozo portando a faixa presidencial e fazendo arminha com a mão. Já a Mangueira contagiou a avenida com o samba-enredo “A verdade vos fará livre”, com críticas ao fanatismo religioso. Declarada campeã do Carnaval-2020, a Viradouro fez uma ode à cultura popular e ao poder das mulheres ao contar a história das Ganhadeiras de Itapuã.
O mesmo tom crítico tomou conta dos desfiles em São Paulo. A Vai-Vai homenageou a vereadora assassinada Marielle Franco (Psol-RJ) e a Mancha Verde ironizou os ministros Paulo Guedes e Damares Alves. Para desespero das milícias bolsonaristas, a escola campeã de São Paulo, a Águia de Ouro, levou para o sambódromo um boneco gigante do educador Paulo Freire e o enredo “O poder do saber – Se saber é poder, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Como observou Tony Goes, especialista em mídia do UOL, “toda essa politização, explícita ou não, cria problema para os canais de TV que cobrem o Carnaval. SBT, Band e RedeTV!, alinhadas com o governo, simplesmente evitam mostrar em suas telas qualquer coisa que cheire a protesto. Já a Globo, que procura manter uma postura independente, enfrenta um dilema de bico. É simplesmente impossível transmitir os desfiles das escolas de samba sem exibir alegorias e passistas que criticam Bolsonaro e seu entorno. Para não antagonizar ainda mais um presidente que já a vê como inimiga, a emissora optou por um relativo silêncio”.
Em entrevista à TVT, o professor Laurindo Lalo Leal Filho, diretor do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, também criticou a cobertura anódina da Rede Globo do Carnaval deste ano. Apesar de ser uma concessão pública, a emissora evitou informar à sociedade sobre os protestos irreverentes contra o “capetão”. Como afirma Lalo, na prática ela censurou a politização dos foliões.
Por Altamiro Borges