Os Estados Unidos e a Otan se preparam para gigantescas manobras militares no território do Velho Continente, os exercícios denominados Defender Europa 2020.
No total, os EUA e a organização que é na prática o seu braço armado para a região do Atlântico Norte e alhures, mobilizarão 37 mil militares, 20 mil dos quais norte-americanos nas manobras bélicas que se realizarão nos meses de abril e maio, as maiores desde a Guerra Fria.
O objetivo declarado é reforçar a cooperação entre os Estados Unidos e a Aliança Atlântica e a presença estadunidense na Europa, como afirmou poucos dias depois da cúpula da Otan em Londres, em dezembro último, o general Barre Seguin, responsável por supervisionar as operações conjuntas. As manobras demonstram a “união transatlântica e o compromisso dos EUA para com a Otan”, disse.
O pano de fundo é o objetivo estratégico de conter e cercar a Rússia, num quadro mundial em que se agravam as tensões geopolíticas.
Desde o desfecho vitorioso para Moscou da crise da Ucrânia, com o retorno da Crimeia ao lar russo, o imperialismo estadunidense e seus sócios da Otan mostram-se ansiosos para dissuadir e dobrar a potência euro-asiática. É por esta razão que os norte-americanos e aliados europeus da Otan testarão sua capacidade de transportar soldados de um lado para outro do Atlântico, e de os transferir rapidamente da Bélgica e Países Baixos, através da Alemanha até à Polônia, nas proximidades da fronteira russa.
Os exercícios serão realizados em países vizinhos da Rússia, como Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia. Explicitamente, autoridades norte-americanas no terreno comentam a relação dos exercícios militares com eventuais crises internas em algum país situado na órbita da Otan, com reflexos para toda a área, como fez a embaixadora dos Estados Unidos na Polônia, Georgette Mosbacher, em declarações publicadas neste início de semana. “Estes exercícios não são apenas simbólicos. Atingem o cerne do que queremos dizer quando falamos de segurança coletiva européia” … “Em uma crise, a Otan deve ser capaz de responder o mais rápido possível”.
A Rússia já o percebeu e reagiu, se bem que diplomaticamente. O chanceler Sergey Lavrov, disse que Moscou não pode ignorar esse tipo de ação. Registrou a preocupação e, sem deixar claro como, disse que o país vai responder a esses exercícios, designados por ele como “absolutamente injustificados”. Para marcar a diferença de comportamento entre a ação do complexo EUA-Otan – cujo escopo é sempre extraterritorial, portanto com caráter imperialista e ofensivo ao princípio da autodeterminação nacional – Lavrov disse que a reação da Rússia será “como tudo o que fazemos”, “exclusivamente em nosso território”.
A rivalidade militar entre os EUA e a Rússia, e também dos norte-americanos com a China, tomou novos contornos neste início de semana também no âmbito da questão nuclear.
A Rússia propôs a prorrogação do Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Start III, ou New Start), que expira em fevereiro 2021.
Trump respondeu afirmando que não aceita, a não ser que a China também faça parte do tratado, que deixaria de ser bilateral para se transformar em tripartite. E em tom ameaçador declarou que seu país está aumentando as despesas nucleares e já conseguiu desenvolver mísseis super-rápidos com o objetivo de combater a Rússia e a China.
“Estamos aumentando os gastos com nosso programa nuclear porque não temos outra escolha, pelo que a China está fazendo, e o que particularmente a Rússia está fazendo”, disse o inquilino da Casa Branca.
Trump quer claramente um pretexto para não estender a vigência do Start. Sabe que a China está longe do patamar de equilíbrio estratégico, pela estrutura diferente e menor quantidade das suas forças nucleares.
Os Estados Unidos se retiraram anteriormente do Tratado INF, que proibia fabricação de mísseis terrestres de alcance intermediário, assinado na década de 1980 com a então União Soviética.
Além de ostensivas manobras militares na Europa, às portas da Rússia, da recusa a prorrogar o tratado Start III e de se retirar do INF, Trump se jacta de possuir “um número tremendo de mísseis super-rápidos”, como fez nesta segunda-feira perante governadores de estados.
Reafirma assim o caminho da militarização e da superioridade do poderio militar e nuclear estadunidense, o que se confirma também com a presença norte-americana em todas as regiões estratégicas do mundo por meio de suas quase mil bases militares.
Temas como este não estão distantes da realidade brasileira e latino-americana, também no foco dos interesses estratégicos estadunidenses. Em 2007, tropas dos EUA participaram de manobras militares conjuntas com Brasil, Colômbia e Peru, na tríplice fronteira amazônica. Em 2018, a Colômbia aderiu à Otan como “parceiro global”, um sonho de Bolsonaro para o Brasil. No ano passado, em meio aos intentos de golpe contra o governo venezuelano e de intervenção no país bolivariano, o governo de Trump invocou um tratado da época da Guerra Fria, o Tiar, para justificar o envolvimento dos países da região em sua aventura militar.
Agora, o documento em elaboração no Ministério da Defesa sob o governo de extrema-direita, ignora este cenário e assinala a França como uma ameaça militar ao Brasil.
Que os patriotas não se deixem dominar pelo sono da razão. A ameaça ao Brasil, à América Latina e ao mundo advém do imperialismo estadunidense. E o governo vende-pátria de Bolsonaro é parte dela.
*Jornalista, editor do Resistência [www.resistencia.cc] e diretor do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz