A retórica agressiva do presidente Jair Bolsonaro no episódio do confronto provocado pelos Estados Unidos com o Irã expressa à perfeição a sua convicção ideológica. Obrigado, em algumas ocasiões, a dobrar a língua pela reação de setores do próprio governo, ele optou por recrudescer o seu vocabulário chulo contra a esquerda, formulando frases e expressões sem nexo, agredindo em especial os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Sua ideologia é a de submissão acrítica às trovoadas do presidente norte-americano, para ele um oráculo, fonte inspiradora sobre qualquer assunto. Com esse comportamento tresloucado, não raro Bolsonaro mete os pés pelas mãos e vai fermentando crises políticas. Nesse caso, a fala precipitada do presidente apoiando a agressão de Trump e a nota do Itamaraty em tom belicoso contra o Irã despertaram forte reação nos meios militares.
O governo moderou a agressividade, mas não se pronunciou enfaticamente pela neutralidade, como é da tradição diplomática brasileira. Tampouco agiu com ponderação diante da reação de setores produtivos que têm nas exportações ao Irã suas fontes de negócios; é o 23º país na lista dos principais importadores de produtos brasileiros. Na área de alimentos, é o 4º mais importante.
Os iranianos importaram US$ 2,2 bilhões em produtos alimentares do Brasil em 2019, 3% de tudo o que o país exportou no setor. Compram carne bovina, grãos – em milho o Irã comprou 14% de todo embarque do Brasil, perto de US$ 1 bilhão, 5,4 milhões de toneladas de janeiro a novembro de 2019 – e açúcar. Na outra mão, os brasileiros importam ureia como matéria-prima para fertilizantes.
O Brasil, com o seu peso diplomático, em crises passados com o mesmo Irã agiu para buscar saídas que reduzissem as tensões provocadas pelos Estados Unidos. Agora seria, mais uma vez, a oportunidade de trabalhar para o apaziguamento, se somando a outras forças do cenário mundial que vêm agindo para conter o furacão trumpista.
Mesmo o silêncio no caso da saída unilateral de Washington do acordo nuclear, assinado em 2015 entre o Irã e o Grupo 5 + 1 — então composto pelos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Rússia e China —, é comprometedor.
É evidente que o único país responsável por mais essa catástrofe são os Estados Unidos. Tanto que até seus aliados da Europa têm pedido moderação. Mas a opção de Bolsonaro e seu núcleo mais ideologicamente de extrema direita — o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é fanático devoto do atual regime da Casa Branca — foi por jogar gasolina na fogueira. Além da questão política, o motivo das reações dos militares, essa irresponsabilidade atinge a economia, justamente no setor de excelência do país.
Com o afã de lançar o país nos braços da política de Trump, o presidente brasileiro pode provocar perdas de grande monta. Além de agravar a crise econômica, com as consequências conhecidas — desemprego, degradação social e violência —, o Brasil se deprecia como nação soberana. Enfraquecido e desmoralizado no cenário internacional, fica sujeito a todo tipo de ingerências, como se viu recentemente no episódio das queimadas na Amazônia.
O Brasil não tem a máquina de guerra norte-americana nem a diplomacia policialesca daquele país — coisas das quais pode se orgulhar. Mas tem tradição de firmeza na condução da política externa. No período dos governos progressistas de Lula e Dilma, essa tradição se fortaleceu com a estratégia multipolar de afirmação da soberania nacional, de construção paciente e pertinaz de um bloco sul-americano, de ampliação das suas relações com as potências em desenvolvimento do BRICS.
Em um mundo caracterizado pelo arbítrio, pela concentração de poder de todo tipo e pela falta de respeito ao direito internacional, a política externa é um fator decisivo para o país ser respeitado. Com serenidade e firmeza, a atuação do Brasil nesse período foi determinante para a defesa dos seus interesses, ao mesmo tempo em que contribuiu para uma nova geografia política, econômica e comercial no mundo. Não sem motivo, essa política se tornou um dos principais alvos da direita.
Essa tradição diplomática brasileira foi proscrita no governo Bolsonaro. A ideologização submissa representou uma espécie de anexação às regras da Casa Brasa. O presidente e o Itamaraty, nesse episódio, romperam relações com os interesses nacionais, de resto uma opção condizente com o programa de governo neoliberal e neocolonial do bolsonarismo.
Via Portal Vermelho