O pensamento crítico latinoamericano acompanhou, ao longo de várias décadas, os procesos políticos mais avancados do continente, analisando-os e apontando suas potencialidades, seus limites, suas contradições e perspectivas. Hoje, quando vários países do continente vivem processos de construção de alternativas políticas ao neoliberalismo, o pensamento social do continente necesita urgentemente se colocar em dia com esses processos. Uma teoria que não desemboca em propostas efetivas de transformação social, que não busca a compreensão das dinâmicas de transformação democrática que ocorrem de forma real e não meramente imaginária em nossas sociedadeas, termina por se tornar uma teoria estéril, inóqua para qualquer projeto emancipatório e liberador. Uma prática política que se nutre da boa teoria, rigorosa, crítica e comprometida, tende a multiplicar suas potencialidades como prática transformadora da realidade social.
Esta perspectiva resume as palabras com que Alvaro Garcia Linera, Vice-presidente da Bolívia, fechou a XXIII Assembléia Geral do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (CLACSO), celebrada em Cochabamba há poucos dias. O evento, que havia sido inaugurado pelo Presidente Evo Morales, constituiu um vigoroso chamado a que a enorme capacidade crítica do pensamento social latinoamericano e caribenho se volte de forma decidida para os desafios concretos que os movimentos e os governos populares da região estao enfrentando.
CLACSO foi fundado há pouco mais de quatro décadas, em 1967. Um ano cheio de signficados relevantes para a América Latina: a morte do Che e o lançamento de “Cem Anos de Solidão”, dois acontecimentos que terminaram por projetar, definitivamente, nosso continente no mundo. Desde então, CLACSO ampliou e fortaleceu suas ações como rede de instituições acadêmicas no campo das ciencias sociais, com 259 centros associados em 25 países da América Latina e do Caribe, da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá. Trata-se, sem nenhuma dúvida, de uma das redes universitárias mais importantes do mundo, com 30 grupos de trabalho temáticos, dos que participam mais de 1.500 pesquisadores e pesquisadoras de 28 países; com uma Rede de Pósgraduacoes que reúne mais de 500 mestrados e doutorados, em que atuam 7.000 professores e mais de 30.000 alunos e alunas; com uma reconhecida política de bolsas para o desenvolvimento de pesquisas sociais, especialmente destinada à formação de jovens acadêmicos; com a maior Biblioteca Virtual da América Latina, articulada em uma rede de unidades de documentação e registro que chega quase a um milhão de textos impressos por mês, com um Campus Virtual pioneiro no desenvolvimentp de cursos à distância de nível de pósgraduacao, com qualidade e rigor acadêmico; com diversos programas de cooperação e integração regional, particularmente com países da Ásia e da África. CLACSO dispõe de uma ativa política editorial, com mais de 500 livros publicados, além de desenvolver ações de divulgação do pensamento social latinoamericano com o apoio de prestigiosos meios jornalisticos como La Jornada, do México, Página 12, da Argentina, e as edições do Le Monde Diplomatique no Brasil, no Chile, no Peru, na Bolivia, na Colômbia e na Espanha, em que se publicam mensalmente os Cadernos do Pensamento Crítico, com uma tiragem de mais de dois milhões de exemplares por ano. Nos últimos três anos, CLACSO publicou 150 livros, com textos de 822 autores e autores de mais de 50 países.
CLACSO cumpre assim suas funções como instituição pública não governamental, fiel a seus fins, democrática em suas práticas e comprometida em suas ações. Uma instituição que aspira a contribuir para que a América Latina se pense a si mesma e a seu lugar no mundo, a partir de sua propia história, suas especificidades e seus interesses.
No entanto, mais além das conquistas coletivas dessa ampla rede acadêmica, os desafios continuam sendo urgentes. Devemos estar à altura dos grandes problemas do nosso continente, assim como das alternativas que se constróem popularmente para enfrentá-los. A refundação dos estados plurinacionais da Bolívia e do Equador são apenas dois dos bons exemplos que nos interpelam e convidam a pensar e a trabalhar ativamende desde o campo universitário e das instituições de pesquisa para consolidar a necessária transformação democrática do nosso continente.
Em Cochabamba, fui reeleito para um novo triênio no cargo de Secretário Executivo de CLACSO. Ao fazê-lo, reafirmei nosso compromisso para que o Conselho obtenha uma gravitação ainda maior como usina de pensamento crítico em consonância com os processos de transformação e de mobilização social que vive o nosso continente. Da estreita articulação entre a teoria crítica e os processos de emancipação dependerá, em grande medida, o futuro da América Latina e, também, indissoluvelmente, o de CLACSO. Nesta direção se concentrarão nossos esforcos e energias.
Emir Sader Sociólogo e Secretário Executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais CLACSO.