As entrevistas feitas pelo Portal Eu, Rio com pacientes da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro — nas quais eles denunciam irregularidades e erros médicos — não são jornalísticas, pois “não há qualquer conteúdo investigativo na reportagem que corrobore os abusos relatados pelas entrevistadas”.
Esse foi o argumento usado pelo desembargador Edson Vasconcelos, do Tribunal de Justiça fluminense, ao determinar na sexta-feira (29/11) que o portal retirasse as reportagens do ar, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
O médico Francesco Mazzarone, chefe do serviço de cirurgia plástica da Santa Casa e administrador da equipe do Instituto Ivo Pitanguy e Centro de Cirurgia Plástica ICP Rio, argumentou que as reportagens do Eu, Rio são sensacionalistas e violam sua honra e imagem, além da reputação do hospital.
O desembargador Edson Gomes concedeu antecipação de tutela para ordenar a exclusão dos sites da internet. Para o magistrado, há risco de abalo permanente à imagem do médico e da Santa Casa.
Ato de censura
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) apresentou, nesta quarta (4/12), pedido para ingressar como amicus curiae no agravo de instrumento.
Para a ABI, a decisão é “autoritária” e “inconstitucional”. A entidade cita a ADPF 130, quando o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa e, consequentemente, da censura prévia. E voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello de abril (Reclamação 31.117). Na ocasião, ele reafirmou a impossibilidade de a Justiça exercer o papel de censor através de medidas cautelares, como ocorreu nesse processo.
“Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que o exercício, por alguns juízes e tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa e de informação. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!”, disse o decano do STF.
Além disso, a ABI critica o fato de o desembargador não ter considerado “jornalísticas” as entrevistas do Eu, Rio. “Pedindo vênia, nos permitimos esclarecer que a função principal de um jornalista/repórter é ‘RE-POR-TAR’. Qual seja, levar ao conhecimento do público fatos como ocorreram, ou como foram narrados. Tal como aconteceu nesse caso, com a veiculação do que falaram as vítimas entrevistadas. Não havia — como não há —, nada a ser investigado, pois o que se fez foi, repetindo, Re-Por-Tar o que disseram as pacientes da Santa Casa terem sofridos em suas operações”.
A associação também ressaltou que o site entrou em contato com a Santa Casa para que a entidade oferecesse sua versão sobre os fatos, mas não obteve resposta.