A Medida Provisória (MP) nº 905, que criou o contrato de trabalho verde amarelo e é chamada de nova reforma trabalhista, limitou a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e reduziu o valor das multas por descumprimento dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) firmados com empresas desapareceram. Agora, o maior valor será de R$ 100 mil.
Além disso, os acordos terão validade de apenas dois anos – até então, valiam em geral por tempo indeterminado. A norma ainda obriga que todos os valores arrecadados em multas e penalidades aplicadas por descumprimento de acordo judicial ou de TAC sejam direcionados ao Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho.
Abusos patronais
O objetivo dos TACs é corrigir irregularidades cometidas por empresas, antes de eventuais processos judiciais, que poderiam ter valores ainda maiores do que aqueles envolvidos nesses acordos. A mudança introduzida pela MP é um estímulo aos abusos cometidos pelo patronato. A redução das multas será significativa.
Para que se tenha uma ideia sobre o impacto da medida, alguns exemplos são sugestivos. Por não cumprir um TAC, uma companhia de eletrônicos que sofreu investigação por denúncias de assédio moral em sua sede na capital paulista foi obrigada a veicular uma campanha no valor de R$ 5 milhões contra essa prática nos principais jornais e emissoras de tevê em São Paulo. Ainda teve que pagar R$ 5 milhões em danos morais coletivos, destinados a pelo menos cinco instituições sociais idôneas, previamente aprovadas pelo MPT.
Já uma confecção suspeita de contratar prestadora de serviços que praticaria trabalho análogo ao de escravo, por exemplo, firmou um TAC no valor de R$ 5 milhões em multas com o MPT de São Paulo por ter descumprido acordo anterior. Os montantes foram revertidos em projetos sociais.
MPT
A MP altera o artigo 627-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e prevê a aplicação de multas previstas no artigo 634-A, tanto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) quanto pelos auditores fiscais do trabalho, ligados agora ao Ministério da Economia. A classificação das multas, o enquadramento por porte econômico e a natureza da infração ainda devem ser definidos em ato do Poder Executivo. Os valores serão atualizados anualmente em 1º de fevereiro.
Contrário às alterações, o Ministério Público do Trabalho emitiu a Nota Técnica nº 1. No documento, assinado pelo procurador-geral do Trabalho, Alberto Bastos Balazeiro, e outros procuradores, o órgão afirma que não é possível disciplinar por medida provisória os prazos e valores dos TACs.
Segundo a nota, considerando que o objetivo da MP 905 fosse, realmente, o de limitar o alcance e efetividade dos TACs firmados pelo Ministério Público, “tal norma seria diametralmente oposta aos próprios objetivos delineados na Reforma Trabalhista de 2017, de diminuição no ajuizamento de demandas perante o Judiciário, pois a eventual tentativa de limitar o alcance e efetividade dos termos de ajuste de conduta firmados pelo MPT redundaria na proliferação de ações trabalhistas”.
O Ministério Público ainda ressalta que, como o TAC tem natureza de negócio jurídico, “as disposições e obrigações nele contidas são assumidas de livre e espontânea vontade por aqueles que o firmam”.
Além de favorecer o patronato com a redução das multas, a MP de Bolsonaro retira ou reduz vários direitos da classe trabalhadora, a pretexto de facilitar as contratações e reduzir o desemprego. Permite pagamento parcelado do 13º e das férias proporcionais, o que pode levar a “arranjos perversos”, pelos quais o empregador pode considerar os adiantamentos no total a ser pago no mês, conforme notou o advogado e técnico do Diap Luiz Alberto dos Santos.
Dessa forma, em vez de pagar 1,5 salário mínimo – limite previsto na MP –, ele poderia ser “tentado” a oferecer 1,3 mais as parcelas adiantadas, que corresponderiam a 11% de acréscimo. “Trata-se, assim, de artifício para promover o achatamento remuneratório e a supressão disfarçada de direitos.”
Em outro artigo, a multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) cai pela metade, de 40% para 20%. Além de fraude à Constituição, a multa reduzida “tem o fim nefasto de baratear a demissão do trabalhador, em afronta à isonomia”. O técnico do Diap cita o artigo 7º da Constituição, que veda “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
O consultor comenta a criação de uma contribuição previdenciária para quem recebe seguro-desemprego. “Além da redução da renda de quem já está em situação de desvantagem, pois não recebe salário, mas prestação social, a medida desnatura o caráter dessa renda provisória, submetendo-a a uma tributação indevida à luz da própria Constituição”, afirma. “Situação equivalente seria taxar o aposentado, o beneficiário do BPC e os que recebem o Programa Bolsa Família, revelando sanha arrecadatória que não se coaduna com a situação de vulnerabilidade desses cidadãos.”
Com informações da RBA e da jornalista Stella Fontes no jornal Valor