Por Pedro Canário
Numa carta de setembro deste ano ao professor Matthew Stephenson, de Harvard, nos Estados Unidos, os procuradores da “lava jato” disseram que a Polícia Federal nunca os enviou os grampos dos advogados do ex-presidente Lula. Pode ser. Mas os grampos serviram para que eles se antecipassem à estratégia da defesa do ex-presidente no Supremo Tribunal Federal.
De acordo com mensagens trocadas entre eles em fevereiro de 2016, a PF enviou a Deltan Dallagnol transcrições de trechos de conversas do advogado Roberto Teixeira com o ex-ministro da Casa Civil Jacques Wagner e com um segurança de Lula, identificado como Moraes — Lula não tem celular e, na época, usava o telefone dele.
As mensagens foram divulgadas nesta terça-feira (5/11) pela Folha de S.Paulo. De acordo com a reportagem, no dia 26 de fevereiro, o agente da PF Rodrigo Prado enviou transcrições de conversas de Roberto Teixeira com Moraes e com Lula falando sobre ir a Brasília falar com a ministra Rosa Weber, do STF.
Naquele dia, a defesa do ex-presidente havia ajuizado uma ação no Supremo pedindo a suspensão dos processos por sobreposição de investigações: a propriedade do apartamento no Guarujá (SP) e seu uso como suborno estava sendo investigado também pelo Ministério Público de São Paulo.
Como o MP-SP começou antes, Lula alegava que o juiz Sergio Moro, então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, havia usurpado a competência da Justiça comum de São Paulo no caso.
Rosa era a relatora — havia sido sorteada no mesmo dia. No dia seguinte, 27 de fevereiro, Deltan perguntou aos colegas, pelo Telegram, o que eles achavam melhor fazer: falar com a ministra Rosa, falar com o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ou até pedir a prisão preventiva de Lula, já que o telefonema mostrava, na interpretação — nunca levada a sério — do procurador Júlio Noronha, seria prova de tentativa de interferir nas investigações.
Ato de vontade
Como os procuradores sabiam que Lula pretendia falar com a ministra, decidiram se adiantar. No dia 1º de março de 2016, foram ao gabinete de Rosa apresentar uma “manifestação espontânea”. Nela, defenderam a competência da Justiça Federal em Curitiba para tratar do caso.
No mesmo dia, Rosa oficiou a defesa de Lula, feita pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins, sócios de Roberto Teixeira. Os três, além de outros 22 advogados, tiveram os ramais grampeados por ordem de Moro. Mas ainda não sabiam que estavam sendo monitorados — a existência do grampo só foi revelada no dia 17 de março, pela ConJur.
Mas os advogados desconfiaram que algo estava errado. No dia 1º, reclamaram de o MPF em Curitiba ter apresentado manifestação ao Supremo se ter sido intimado. Para a defesa de Lula, no entanto, a manobra demonstrou “extremado apego e interesse incompatível com as funções ministeriais, que não pode escolher quem irá investigar”.
Mistura de alvos
Na época que o grampo ao escritório Teixeira, Martins e Advogados foi divulgado, o ex-juiz Sergio Moro disse que se equivocou e pediu “escusas” ao ministro Teori Zavascki, relator da “lava jato” no Supremo. Roberto Teixeira foi acusado de lavagem de dinheiro por ter os honorários pagos por uma empresa ligada a Lula — Moro depois o condenou e o recurso não foi julgado.
Já o MPF desenvolveu uma tese para se defender: o telefone do escritório estava listado na Receita Federal como se fosse da Lils Palestras, a empresa de palestras de Lula — essa foi a versão repetida na carta a Matthew Stephenson.
Só que o telefone aparecia como da Lils Palestras no site FoneEmpresas.com, e não no site da Receita.
Uma busca rápida no Google pelo número diria aos procuradores que o telefone era do Teixeira, Martins e Advogados. E nas gravações, obtidas pela defesa de Lula, aparece a vinheta que começa com a frase “você ligou para o Teixeira, Martins e Advogados”. No dia 17 de março de 2016, a redação da ConJur ligou para o número e ouviu a mesma gravação.
No Brasil, o grampo telefônico é autorizado pelo juiz, mas executado pela operadora de telecomunicações. E a operadora enviou duas cartas a Moro e ao MPF avisando do “engano”. Os policiais e procuradores, que ouviram as conversas durante 23 dias, no entanto, insistem na tese de que nunca perceberam que estavam com o telefone “errado”.
Para Zanin, no entanto, o grampo foi uma arma da acusação. “Significa que a intenção do juiz e dos membros do Ministério Público foi monitorar os atos e a estratégia de defesa do ex-presidente, configurando um grave atentado às garantias constitucionais da inviolabilidade das comunicações telefônicas e da ampla defesa”, afirma.
Alta octanagem
As mensagens divulgadas pela Folha mostra que os procuradores sabiam do teor explosivo do material que tinham em mãos. Ninguém sabia que o escritório que atende Lula estava sendo grampeado — as interceptações só foram divulgadas no dia 17 de março, pela ConJur, e duraram 23 dias. E por isso nenhum dos procuradores que trocaram mensagens no Telegram defendeu que Deltan falasse sobre o assunto com quem quer que fosse.
“O foda é subir o caso”, ponderou o procurador Athayde Ribeiro Costa. Deltan insistiu. Perguntou o que fazer caso Janot o perguntasse qual era o teor do material que estava em poder dos procuradores de Curitiba. “O PGR tem que ficar de fora e não podemos adiar a operação”, disse Januário Paludo, procurador, sobre a iminente condução coercitiva de Lula, cuja decretação já havia sido acertada entre Moro, PF e procuradores.
No dia seguinte, Deltan voltou ao assunto: “Sou favorável a remeter minuta ao PGR pedindo que ele fale com Rosa Weber”. Mas ele estava preocupado em ter de esconder informações de Janot. “Não abra nada”, recomendou o então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, hoje consultor de compliance e boas práticas empresariais. “Se finja de morto”, insistiu Paludo.
O que ficou combinado entre os procuradores e Janot não se sabe. O fato é que no dia 29 de fevereiro — 2016 foi bissexto — os procuradores da “lava jato” apresentaram uma “manifestação espontânea” à ministra Rosa. Dois dias depois, a defesa de Lula apresentou suas manifestações e, no dia 4 de março, Rosa negou a liminar. Ou “mandou Lils [Lula] pastar”, como disse o delegado da PF Márcio Anselmo, em mensagem aos colegas do mesmo dia.