Os desafios para a manutenção do Fundeb como política permanente de financiamento da educação básica e o aumento da contribuição da União
Por Madalena Guasco Peixoto*
No mês em que se acabou de comemorar o Dia dos Professores, uma pauta é imprescindível: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O motivo está explícito em seu nome. A valorização docente está diretamente ligada à ampliação de recursos federais no fundo. Pelo menos 60% do valor recebido pelo Fundeb devem ser utilizados na remuneração dos profissionais do magistério da educação básica pública, ao passo que o restante é aplicado no desenvolvimento do setor. A questão é que, como já noticiado inclusive pela própria Carta Capital, o Fundeb, que entrou em vigor em 2007, perde sua validade em 2020, tornando, portanto, sua revisão não apenas necessária, como urgente.
A Carta Capital também já noticiou que tanto na Câmara quanto no Senado tramitam propostas de emenda à Constituição para renovar o fundo e torná-lo permanente. Há divergências, contudo, nos caminhos a seguir, sobretudo no que diz respeito à complementação da União. Uma das matérias propõe o aumento dessa complementação de 10% para 40% no período de 11 anos. Outra defende uma ampliação menor — para 30% —, mas também em prazo mais curto — três anos. Já uma terceira prevê um salto inicial para 15% e uma progressão até 30% no prazo de uma década.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub e a equipe econômica do governo não querem que o Fundeb continue existindo e muito menos que se torne permanente. Menos ainda que seja ampliada a contribuição da União no Fundo, mesmo que de forma progressiva em dez anos. O baixo investimento, entretanto, não é o único problema de um governo que já demonstrou por diversas vezes (e continua demonstrando sistematicamente) não ter qualquer compromisso com a educação, sobretudo com a educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada. É preciso não perder de vista que se trata de uma administração eminentemente privatista. E que, como tal, não se acanhará em dar ouvidos às vozes que, perniciosamente, já defendem que o fundo seja destinado também às escolas privadas.
O argumento falacioso desse grupo é que a concorrência supostamente estimula a eficiência. E de que o Estado deve financiar não a escola, mas o estudante, estabelecendo uma competição entre instituições públicas e privadas por dinheiro público (como no caso da adoção de vouchers no Chile, modelo que chegou a ser defendido pelo governo Bolsonaro para ser implementado no Brasil). Essa interpretação enviesada dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) não é só um equívoco, mas uma manipulação de dados para servir aos interesses do setor privado, que está mobilizado e já apresentou emenda às PECs que tramitam tanto no Senado quanto na Câmara.
Não é de hoje que a o setor privado se coloca em disputa com a educação pública e, por isso mesmo, constantemente atua no sentido de não permitir o fortalecimento da escola pública e gratuita e de impedir sua universalização. Já apontamos esse fato aqui mesmo na Carta Capital, no artigo “Os ataques privatistas à educação”, mostrando como essa atuação, que se dá tanto no âmbito político quanto no econômico, coloca-se fortemente contra a regulamentação do ensino privado e contra a fiscalização do Estado, embora, em contrapartida, o setor não hesite em continuar a receber — e a brigar por — subsídios e outros aportes de verbas públicas. Essa situação cresceu bastante no Ensino Superior ao longo destas duas décadas do século XXI e a recente controvérsia entre o ministro da Educação e os empresários do ensino privado acerca do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) evidencia como o setor não está disposto a abrir mão de recursos públicos.
Acontece que a frase de Weintraub aos empresários — “Vocês têm que se virar” — não passa de bravata. Se não for via Fies, será via Future-se, será via autorregulamentação (como defendido pelo ministro), será via sucateamento das universidades federais… E será via educação básica. Não é por acaso que a Vasta Educação, um dos braços da Cogna — a holding em que se transformou a Kroton — vai oferecer serviços de gestão para as escolas e material didático, incluindo eventual participação em licitações públicas. E a proposta do novo Fundeb pode ser a chance de essas empresas abocanharem recursos públicos ainda mais facilmente.
A manutenção do Fundeb é fundamental. Sua transformação em política permanente também. É preciso, porém, que nossa defesa do fundo seja acompanhada de uma defesa intransigente do dinheiro público para a educação pública e gratuita e de um olhar atento, de denúncia, sobre os interesses sub-reptícios dos privatistas.
*Madalena Guasco Peixoto é coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee e diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP