O plenário da Casa aprovou na noite de terça-feira, por 56 votos a 19, o relatório da reforma da Previdência do tucano Tasso Jereissati, mas os senadores também acataram, na madrugada desta quarta, um destaque que mantém a lei atual sobre o abono salarial (PIS/Pasep), garantindo o benefício a todos os trabalhadores e trabalhadores que recebem até dois salários mínimos (R$ 1.996,00).
Foi uma derrota do governo Bolsonaro, que inicialmente propôs a limitação do direito aos que ganham 1 salário, o que inviabilizaria o recebimento do abono para 94% dos trabalhadores atualmente beneficiados. Os deputados reduziram a maldade, ampliando a faixa ao valor percebido pelos trabalhadores considerados de baixa renda (até R$ 1.364,43).
Porém, a proposta aprovada pela Câmara, embora menos perversa do que a da dupla Bolsonaro/Guedes, ainda excluía 12,7 milhões de trabalhadores do direito ao abono salarial, 54% dos 23,7 milhões de beneficiários atuais do programa, segundo cálculos do economista Daniel Ferrer, do Dieese.
Derrota do governo
O governo iria subtrair 76 bilhões de quem recebe entre 1 a 2 salários através da reforma, que – mentirosamente, inclusive falseando estatísticas (conforme denunciaram professores da Unicamp) – apresenta à opinião pública e ao próprio Congresso como uma iniciativa para combater desigualdades e privilégios.
A aprovação do destaque mantendo as regras atuais de distribuição do benefício é fruto da luta cotidiana das centrais sindicais, em aliança com os movimentos sociais, organizações democráticas da nossa sociedade, bem como artistas, intelectuais, partidos e parlamentares sensíveis aos interesses maiores do nosso povo. A votação também reflete e expõe as fragilidades do governo no Congresso, o que pode favorecer a oposição em batalhas futuras.
A luta dos trabalhadores também derrotou outros pontos nocivos constantes na proposta original de Bolsonaro e Paulo Guedes. Entre eles, destaca-se a privatização progressiva da Previdência com a imposição do regime de capitalização e o aumento da idade para aposentadoria rural, que caíram na Câmara por força das denúncias e lutas protagonizadas pelas centrais e sindicatos, em aliança com os movimentos sociais e a oposição no Congresso.
Retrocesso
Todavia, a aprovação em plenário do 1º turno da votação da reforma constitui mais um duro retrocesso para a classe trabalhadora. Prevalecem no texto o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, a idade mínima, ampliação do tempo de trabalho para usufruir o benefício, regras de transição draconianas e redução do valor das aposentadorias com a mudança nos critérios de cálculo, entre outras maldades.
Governo e partidários da destruição de direitos sociais alegam que sem a reforma o país quebra. Esta proclamação alarmista, ecoada por Bolsonaro e pela mídia burguesa, não corresponde à verdade. Sabe-se igualmente que existem outros meios de sanear as contas públicas, a começar pela cobrança efetiva dos débitos previdenciários acumulados pelos grandes capitalistas, conforme sugere o senador Paulo Paim (PT/RS).
“É apropriação indébita, R$ 30 bilhões por ano, que são arrecadados, tirados do trabalhador, e as empresas não repassam para a Previdência. E os Refis [programas de refinanciamento] dão perdão para os grandes devedores”, argumenta Paim.
Opção de classes
É preciso adicionar o pagamento religioso dos juros da dívida pública, que compromete quase metade do Orçamento da União, a isenção de impostos sobre lucros e dividendos (desde 1995, por generosidade do neoliberal FHC), a não taxação de grandes fortunas, como aquelas acumuladas pelos cindo maiores bilionários do nosso país, que têm um patrimônio escandaloso, equivalente à renda dos 50% mais pobres, ou seja, a 101,23 milhões de brasileiros e brasileiras. É um escárnio descarregar o ônus do ajuste sobre os pobres, que diz muito sobre nossos governantes e o caráter do Estado brasileiro.
A reforma traduz a opção de classe não só do nefando governo Bolsonaro, mas de todos os poderes da nossa podre e corrompida República, que pelo menos desde o golpe de 2016 estão a serviço da impiedosa ofensiva do capital contra o trabalho. Para ser consumado, o retrocesso nos direitos previdenciários ainda demanda votação em 2º turno no Senado.
A luta continua.
Umberto Martins