Por José Geraldo de Santana Oliveira*
No último dia 30 de agosto, o secretário especial do Trabalho e Previdência Social, Rogério Marinho — relator do projeto de lei que se converteu na Lei 13.467/2017, que aprovou a ‘reforma trabalhista’ —, que ganhou notoriedade pela implacável perseguição que faz aos trabalhadores, aos seus direitos e aos seus sindicatos (à semelhança do letão Herberts Cukurs, conhecido como o açougueiro de Riga, pelo envolvimento na morte de mais 30 mil judeus no holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial), instalou o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), composto por representantes do governo e magistrados trabalhistas que se põem nessa condição.
O Gaet, segundo matéria da Folha de S. Paulo do dia 30 de agosto de 2019, terá como finalidade a elaboração de propostas para o aprofundamento da ‘reforma trabalhista’ — se é que sobrou algo para ser ‘reformado’ — e para a alteração da organização sindical, tendo como foco principal o fim da unicidade sindical.
O grupo temático Direito do Trabalho e Segurança Jurídica será coordenado pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, que disputa com Rogério Marinho a condição de maior perseguidor dos direitos trabalhistas e dos sindicatos.
A contenda entre unicidade e pluralismo sindical, no Brasil, já é sexagenária, pois remonta a 1949, quando chegou ao Congresso Nacional a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ganhando relevo e colossal dimensão no processo constituinte de 1987 e 1988 e, agora, na cruzada pela destruição da ordem social.
Nessa contenda, aparecem lado a lado, sem se confundirem, legítimas vozes sinceras, que sempre acreditaram ser o pluralismo a única forma de organização, efetivamente, capaz de assegurar a plena liberdade de organização sindical; e vozes nocivas, como as de Almir Pazianotto e Geraldo Alckmin (na Constituinte), Rogério Marinho e Ives Gandra Silva Martins, ministros do STF, do TST, dos TRTs, juízes e advogados representantes de empresas, que vislumbram na sua implantação a pavimentação de sólido caminho para o total esfacelamento das organizações sindicais dos trabalhadores.
Essas falsas vozes, antes e agora, de forma insincera, atribuem à unicidade a condição de mal maior da organização sindical, a ser extirpado, pelo modo que se fizer necessário, sob pena de os trabalhadores jamais serem bem representados. Isso, claro, na perversa ótica deles.
Os anais da Assembleia Nacional Constituinte registram as várias contendas que se travaram, ao longo dos 18 meses de debate, sobre a melhor e mais indicada forma de organização sindical, como bem ilustra a palavra do deputado pelo PDT-RJ Vivaldo Barbosa, asseverada em um dos muitos debates sobre o tema:
“[…] Agora, dizer que, para que haja liberdade sindical, deve haver 10, 15, 20 sindicatos é trazer um argumento que se choca com a realidade. A Convenção 87 foi ratificada pelo Paraguai de Stroessner, e pelo Chile de Pinochet. Nem por isso o trabalhador do Paraguai, ou o trabalhador do Chile, é livre e é forte (…) Dizer-se que a unicidade é responsável pela permanência de pelegos em movimentos sindicais também não corresponde à realidade. O que permite a permanência de pelegos é o sistema eleitoral vigente, e nada que aí está vai se modificar. Defendo a unicidade sindical porque é o que pensam quase todas as entidades sindicais do País”.
Mais uma vez, o movimento sindical dos trabalhadores acha-se envolto nessa contenda, como que a parafrasear Fausto, citado por Machado de Assis, em Dom Casmurro: “Aí vindes outra vez, inquietas sombras?”.
De novo, a dicotomia de vozes, sendo de muito menor dimensão a que representa o lado claro (a CUT e os sindicalistas que a integram ou que com ela simpatizam) e, por óbvio, com mais força, a voz que representa o lado escuro, sob a batuta de Rogério Marinho e do ministro Ives Gandra da Silva Martins.
A experiência comparada é farta em ensinamentos sobre o desdobramento do pluralismo sindical, que tanto pode ser exitosa, como em França, Alemanha e outros, quanto danosa, como nos exemplos citados pelo deputado constituinte Vivaldo Barbosa; tudo depende do contexto sócio-político.
Claro está, portanto, que a forma de organização, ainda que aparentemente seja de total liberdade, desacompanhada de garantias de efetividade, em lugar nenhum se mostra bastante para garantir a livre organização sindical e o fortalecimento das entidades que a compõem.
De igual modo, não se pode imputar à unicidade, forma preconizada pela Constituição Federal, desprovida de tais garantias, como o é no caso brasileiro, qualquer responsabilidade pelos percalços que povoam as organizações sindicais dos trabalhadores; fazê-lo caracteriza-se como má-fé.
A prudência recomenda a todos, inclusive às sinceras vozes que atribuem à ratificação da Convenção 87 da OIT o único modo de se caminhar para a plena liberdade sindical, que ponderem bem os benefícios e malefícios que advirão dessa medida e/ou da pura e simples implantação do pluralismo sindical, como almeja o governo.
Nenhuma forma de organização sindical, unicidade ou pluralismo, pode dar respostas positivas à organização dos trabalhadores nesse contexto de impiedosa caça aos direitos trabalhistas e aos sindicatos em curso nos últimos anos, que se emana do STF, do Congresso Nacional e da Presidência da República.
Parece iminente o fracasso de eventual substituição da unicidade pelo pluralismo, ora na ordem do dia oficial, no contexto em que os trabalhadores devem escolher se querem emprego ou direito; em que medida provisória vale mais do que a CF; em que os sindicatos representam toda a categoria, mas somente têm direito de cobrar contribuições dos sócios; em que a assembleia pode autorizar a redução de direito, e até mesmo a vida e a morte de sua respectiva categoria, mas não pode fixar contribuição sindical nem para os sócios; em que o ‘acordo’ individual, ditado pelas regras patronais, abrange a maioria dos direitos fundamentais sociais; em que os acordos coletivos “sempre prevalecerão sobre as convenções coletivas”, expressão da Lei 13.467/2017; em que a negociação coletiva pode reduzir e suprimir direitos, mas não pode fixar a ultratividade (adesão) de normas coletivas; em que o direito de greve só vale formalmente, sendo torpedeado pelo decreto de abusividade, pelo interdito proibitório, pela fixação de percentual equivalente a 80% ou mais da categoria, que fica impedido de aderir a ele; em que o dissídio coletivo de natureza econômica depende da concordância patronal; em que não há uma única punição legal para as costumeiras práticas antissindicais patronais.
Diante de tudo isso, é forçoso questionar: a quem aproveita a implantação do pluralismo sindical, no atual contexto sócio-político brasileiro?
Ao debate!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee